Autopublicação na Era Digital por Victor Domingos

No seguimento de “4 Perigos e 4 Vantagens de publicar um ebook“, e sob o tema auto-publicação digital, convidei o autor Victor Domingos a partilhar connosco um pouco da sua experiência neste mercado.

Autor de três obras premiadas, “As Confissões de Dulce”, “Manual de Trigonometria Aplicada” e “Ode a um poeta naturalista”, Victor tem apostado na auto-publicação digital experimentando a complementaridade entre livro em papel e ebook.

Obrigada Victor pela pronta resposta, assim como pela partilha da tua experiência.

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Dos livros em papel à edição na Era Digital

Há uns anos atrás, quando publiquei em papel o meu primeiro livro (a novela intitulada Manual de Trigonometria Aplicada), depois da natural excitação pelo objetivo alcançado, vim a deparar-me com alguns dos fantasmas que assombravam e assombram cada vez mais os tradicionais livros de papel. Foram esses fantasmas que, de forma indireta, me levaram a optar posteriormente pela autopublicação em formato digital.

Alguns problemas dos livros de papel

O primeiro problema que encontrei foram obviamente os custos de produção. No meu caso, as despesas de edição foram suportadas pela editora, no âmbito de um concurso literário ganho por aquele livro. Não precisei de gastar dinheiro meu para publicar o livro, mas ainda assim a edição teve uma tiragem limitada a apenas algumas centenas, que rapidamente se dispersaram por aí…

…o que nos leva ao segundo fantasma: os problemas de comercialização. Nas livrarias, descobri eu mais tarde, só têm destaque os livros que dão mais dinheiro – seja através de uma maior margem de lucro, ou seja pelo aluguer de espaço de prateleira. No meu caso, fiquei ingenuamente dececionado ao descobrir que o meu livro, para além de desaparecer na imensidão de títulos das livrarias, pouco tempo após o lançamento tendia a ficar posicionado em prateleiras quase inacessíveis, com visibilidade praticamente nula.

Outro problema que eu notei foi em termos de alcance da edição. Tratando-se de uma pequena tiragem promovida por uma pequena editora, eu sabia à partida que estava fora de questão uma eventual participação em eventos de grande envergadura, ou a promoção do meu livro no estrangeiro. Para mim, contudo, tal como para Fernando Pessoa, a minha pátria é a Língua Portuguesa: não faz sentido excluir de uma edição em Português nenhum público lusófono. Por exemplo, a Galiza – aqui tão perto! – e o Brasil são dois mercados naturais para a literatura portuguesa. Mas só com grande investimento financeiro se consegue mobilizar os meios necessários para fazer chegar uma obra em papel aos leitores de outros países.

Foi assim que acabei por criar, pouco tempo depois, uma espécie de editora digital, as Edições ArcosOnline. Era um site que publicava ebooks gratuitos, em formato PDF (era o que se usava na altura), de autores lusófonos para leitores lusófonos. Foi um projeto interessante sobretudo pelo intercâmbio que fomentou entre alguns autores portugueses, galegos e brasileiros, e com os leitores nesses países e não só. O projeto cessou entretanto a sua atividade, mas alguns dos livros continuam a circular livremente pela Internet, conforme era autorizado pela maior parte dos autores.

Novos formatos de ebooks – chegou a revolução

Com o passar do tempo, surgiu o Kindle, surgiu o iPhone e surgiu o iPad. Tudo mudou. Os ebooks já não servem para imprimir em casa e ler em papel, mas sim para ler no ecrã, em qualquer lugar.

No meu caso, demorei ainda algum tempo a convencer-me de que chegara a hora. O Kindle existe há algum tempo, é certo, mas ainda não está à venda por cá, e Portugal ainda não parece ser um mercado prioritário para a Amazon. O que realmente me convenceu a experimentar ler ebooks no ecrã foi, curiosamente, o iPhone – depois de ler um livro inteirinho no iPhone, fiquei convencido. Nunca acreditara que um ecrã tão pequeno pudesse servir para ler livros com um mínimo de conforto, e fiquei agradavelmente surpreendido. Com os novos formatos de ebooks, o texto flui naturalmente, página a página, e o iPhone transforma-se num pequeno livro com muitos livros dentro, um livro especial que está sempre ali e que podemos ler em qualquer momento. Apercebi-me de que, com a generalização de tablets como o iPad, ereaders dedicados como o Kindle e smarphones como o iPhone e não só, quase todos nós trazemos no bolso ou na pasta um dispositivo capaz de ler livros em formato digital…

Mais recentemente, quando a Apple abriu a iBookstore portuguesa, eu decidi logo que estava na hora de voltar a publicar. Daquele meu livro editado em papel, nem sinais dele nas livrarias. Além disso, os ebooks que eu publicara anteriormente (em PDF) não eram muito funcionais nestes novos dispositivos, nem permitiam a sua distribuição nos novos canais. Procurei assim informar-me sobre como funcionava o processo de submissão de obras para publicação na iBookstore e na Kindle Store.

Autopublicação na Era Digital

Apesar de a Kindle Store permitir a submissão direta de obras pelos próprios autores, o mesmo não sucede com a iBookstore, em que é necessária a utilização de uma plataforma editorial ou de autopublicação. Foi assim que, depois de algumas pesquisas, descobri a Smashwords (http://www.smashwords.com) e decidi experimentar o processo de publicação. A Smashwords é uma plataforma de autopublicação que, para além de funcionar como livraria digital, permite a submissão dos livros a algumas das maiores do mundo, desde a Kindle Store à iBookstore, passando pela Kobo, pela Diesel eBook Store, pela Sony e pela Barnes&Noble.

O primeiro passo foi estudar e compreender o funcionamento do site e o processo recomendado de preparação dos ficheiros. A Smashwords disponibiliza um conversor automático que recebe um ficheiro .DOC (criado, por exemplo, pelo Word, pelo Pages ou pelo OpenOffice) e o converte para os vários formatos de destino, incluindo .EPUB (para iPad, iPhone, e praticamente todos os ereaders do mercado) e .MOBI (para dispositivos e aplicações Kindle). Para que esse processo de conversão funcione como esperado e os ficheiros resultantes possam ser submetidos aos vários canais de distribuição, é necessário formatar o texto segundo algumas regras. Felizmente a Smashwords disponibiliza um “Guia de estilo” (http://www.smashwords.com/books/view/52) bastante detalhado, que explica passo a passo os procedimentos necessários.

Para quem estiver acostumado a um uso correto dos processadores de texto, nomeadamente nas funções relacionadas com estilos de parágrafo, índices e marcadores, o processo não é muito complicado. Na primeira vez, é relativamente trabalhoso até termos a certeza de que tudo está perfeito, mas nas vezes seguintes, é tudo mais intuitivo e até bastante simples. Finalizada a preparação do ficheiro .DOC, submetemo-lo para publicação no site. Ao fim de alguns instantes, se tudo correr bem, ficará disponível para venda (ou para download gratuito) no site da Smashwords. Para que o livro integre o chamado “catálogo premium” (ou seja, para ser disponibilizado através da rede de distribuidores já mencionada), as regras são mais estritas e o livro é sujeito a uma análise para confirmar que está realmente preparado.

A minha primeira experiência na Smashwords (com o livro “As Confissões de Dulce“) correu bem e, em pouco tempo, estava publicado na iBookstore. Uma das vantagens da Smashwords é o facto de servir de intermediário com várias plataformas de distribuição, simplificando o processo de submissão. No entanto, como a integração com a Kindle Store parece estar para já num impasse, acabei por  publicar diretamente através do programa Kindle Direct Publishing (http://kdp.amazon.com). Isso permitiu uma rápida entrada nessa importante plataforma, e com uma percentagem de retribuição um pouco superior.

Depois de ter feito essa experiência inicial com esse primeiro livro, decidi avançar com a reedição dos outros meus trabalhos literários. Neste momento, tenho já três livros de narrativa disponíveis (As Confissões de Dulce, Manual de Trigonometria Aplicada e Ode a Um Poeta Naturalista) e estou a preparar um outro de poesia (É Preciso Calar o Monólogo), a publicar proximamente.

Às vezes, perguntam-me porque não publico em papel. Uma edição tradicional em papel não me interessa muito, pelos motivos que já referi. Não me interpretem mal: eu compreendo perfeitamente o prazer de ler um bom livro, de sentir a textura do papel nas mãos, de ouvir o som das páginas que viramos, e até mesmo o inconfundível aroma de muitos desses livros. Mas tal como os discos de vinil são hoje considerados como objetos retro ou vintage, também o papel é uma tecnologia em processo de obsolescência. Continuará a desempenhar alguma função, mas aos poucos irá tornar-se um pequeno nicho de mercado, como aconteceu com os formatos analógicos na música, na fotografia e no vídeo. Uma possibilidade que equaciono, mas sobre a qual ainda não tomei uma decisão definitiva, prende-se com a utilização de serviços Print-on-Demand (POD). Mas sem dúvida que a minha aposta atual é sobretudo no digital, porque acredito que é aí que está o futuro e porque sei que há muitas vantagens tanto para os autores como para os leitores.

Muitas outras questões se levantam sobre este tema, como por exemplo o papel que ficará reservado aos editores e restantes agentes do processo editorial neste novo paradigma. A autopublicação é um dos caminhos possíveis (sempre foi, não é mesmo?), mas não é nada fácil. Para além de exigir aos autores conhecimentos em áreas muito variadas, desde a informática ao marketing e ao design, tem como grande desvantagem o facto de nos retirar muito tempo que poderia ser aproveitado para investigar e escrever. Ou seja, sem a ajuda de pessoas que ajudam no processo de publicação, gastamos muito tempo e energia a fazer outras coisas que não sejam escrever, e nem sempre as sabemos fazer bem feitas.

Para mim, tem sido uma época de constante aprendizagem, sobretudo por tentativa e erro. Confesso que tanto o marketing como o design nunca foram o meu forte, e é muito fácil errar nesses campos. Um dia, quando for um escritor muito famoso, vou querer ter o apoio de uma boa equipa de marketing e de um editor profissional. Ou então, talvez nessa altura tenha aprendido o suficiente para preferir ser eu mesmo a controlar o meu trabalho criativo e a sua promoção…

A finalizar, e porque sem querer me alonguei talvez já demasiado, gostaria apenas de agradecer o convite que a Sara me fez para partilhar a minha experiência neste blog. Espero ter contribuído para complementar o trabalho muito interessante que ela tem vindo a apresentar sobre o processo de escrita e edição, e terei todo o gosto em receber os vossos comentários ou questões sobre esta temática.

Victor Domingos
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