Recursos do Escritor: Sobre a construção e a optimização das cenas

vitraisNesta demanda pelas regras que tornam as palavras numa boa história, é preciso definir alguns pontos que fazem sentido para a minha autora interior, quando falamos da construção de cenas. E se muito se tem falado e escrito sobre a necessidade de definir à partida qual a história que se deseja contar, parece-me óbvio que esta tarefa não é nada simples.

Primeiro temos de lutar contra o nosso procrastinador natural que, exige que tudo seja feito à última da hora, optimizado pela adrenalina que qualquer tipo de stress nos dá. O stress é o impulsionador natural de qualquer tarefa complexa.

Depois temos de enfrentar o nosso improvisador nato. Aquele ser que acha sinceramente que, inspiração é sinónimo de falta de planeamento e que, qualquer história criada de uma assentada é melhor do que a obrigatoriedade de definir à partida os nossos objectivos.

A minha luta tem sido bastante acesa e dramática pois, por um lado compreendo e apoio a necessidade de planear a história, por outro necessito de disciplinar aquela parte que prefere o sentimento de inspiração e o despejar algures aquilo que me vai na mente.

Contudo, acredito que é preciso saber para onde a história vai para podermos optimizar as suas cenas. Uma história é composta por cenas e, essas cenas quando em conjunto formam um capítulo.

Dividindo a história em blocos de cenas, cada uma delas contribui para acrescentar algo. É o acto de optimizar cada cena e cada capítulo, de levá-las a ser o melhor que elas podem ser, de definir e localizar a sua missão no contexto global do livro e, de transformar a obra no melhor que pode ser.

Optimizar significa tornar algo no melhor possível. Logo, optimizar uma cena/capítulo significa a construção inteligente da história, tendo em conta qual é o seu objectivo, o seu contexto e a sua missão.

A construção e a execução cuidada das cenas, tendo em vista a sua missão, são o conjunto de habilidades que nos permitem contar uma história. Podemos planear as cenas, mas só a execução profissional é que nos salva das intenções não concretizadas. Planear e escrever as cenas são duas habilidades que temos de optimizar, são as competências básicas do escritor. A missão contextual e o planeamento da história são as competências básicas da história.

E claro que, existem vários tipos de cenas, com missões e formas diferentes. As cenas de abertura são diferentes de cenas intermédias (expositivas), que são diferentes de cenas de viragem (milestones), que são diferentes de cenas que têm um papel vital na história (como flashbacks, situações escondidas, reflexões pessoais…). Elas distinguem-se umas das outras pelo contexto em que se inserem e, por aquilo que as precede ou sucede.

Um bom livro é feito de várias boas cenas e isso só acontece quando o autor compreende a Missão de cada uma ou, qual o seu propósito no decorrer da exposição narrativa. Assim, constrói-se uma cena definindo a sua missão, onde se localiza na história, a novidade que ela contém, usando caracterização, subtexto e contexto.

A ideia é planear cada cena com essa simplicidade e clareza, respondendo às seguintes perguntas:

O que esta cena necessita de atingir? Porque se insere aqui? Como impele a história a avançar? É interessante? Compele emocionalmente o leitor? Qual é o conflito existente nesta cena? Qual o subtexto? O que é que a personagem pretende atingir? Como  usar a cena para embelezar a personagem? Como usar a personagem para dar valor à cena?

Depois de respondermos a cada uma destas perguntas, para cada uma das cenas, podemos decidir conscientemente o percurso que a história deve seguir.

Um momento chave numa história pede uma cena importante, carregada de tensão dramática. Outras vezes, as cenas são rápidas e claras. Mas em ambos os casos, elas resultam melhor quando são optimizadas, quando são planeadas e executadas numa perspectiva de orientação para a missão.

E uma vez que sabemos a missão de cada cena, o próximo passo é conceber um tratamento criativo para cada uma delas. Uma execução que a torne tão efectiva (seja uma cena assustadora, dramática, multi-facetada, misteriosa, com impacto, sexy…), que lhe permita cumprir plenamente a sua missão.

Optimização refere-se também a este tratamento intuitivo de cada cena. Quanto melhor o  entendimento  do enredo da nossa história e dos princípios que o regem, mais rápido e fácil será a solução criativa a dar a cada cena.

Se compreendermos de facto a missão de cada cena, podemos entrar em cada uma delas no último momento possível, da forma mais enigmática e optimizada e cortar todos aqueles pormenores que não contribuem activamente para o êxito da história.

Podemos definir a quantidade certa de descrição, de diálogos, conversas laterais sem objectivo, explicações densas do passado, aprofundando a história sem usar a sobre-explicação, confiando que o leitor entende intuitivamente aquilo que se passa e que assim, tornar-se-á mais fácil a empatia com as personagens. Não é necessário descrever o maço de tabaco se a personagem fuma.

Aplicando aquela regra da matemática em que ‘menos com menos é igual a mais’, ser-se claro e conciso é ‘mais’. O objectivo é, ir direito à questão essencial e usar palavras ligadas à missão, eliminando os pormenores que impedem a história avançar (e que nos podem custar o leitor).

As cenas têm um contexto, um confronto e uma resolução. E, às vezes, os elementos devem estar implícitos e não serem mostrados, apenas explicando aquilo que requer explicação.

Quanto ao final da cena, acabar cada uma delas com um corte, mais uma vez limitando a exposição excessiva e a explicação da transição entre cenas, é impulsionar a cena seguinte, mantendo o leitor ávido por mais. Também aqui, mostrar em vez de contar é uma aposta segura, pois nem tudo deve ser contado. É a mestria com que se mostra que se faz o leitor perceber aquilo que nos vai na mente.

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