Recursos do Escritor: Um significado mais profundo

livro“Reading literature is a highly intellectual activity, but it also involves affect and instinct to a large degree. Much of what we think about literature, we feel first. (…) Imagination isn’t fantasy. That is to say, we can’t simply invent meaning without the writer (…) a reader’s imagination is the act of one creative intelligence engaging another. So engage that other creative intelligence. Listen to your instincts. Pay attention to what you feel about the text. It probably means something.” “How to Read Literature Like a Professor” by Thomas C. Foster

Quantos de nós, leitores, procuram o significado mais profundo de uma obra? Quantos olham para a página e questionam o porquê de determinada circunstância, adereço ou condição climatérica? Quais de nós procuram o significado do nome de uma personagem e as suas raízes, por forma a perceber se também ele nos dará uma pista para o que as páginas seguintes lhe reservam? Suponho que alguns… não muitos.

Nem sempre o fazemos e, claro que, nem todos os livros se predispõem a isto (mas esses eu apelido de “os limpa-palato”). Isto são manias dos professores, de Português ou de Literatura, que vêem coisas onde não as há. Ou deveriam ser manias de todos nós?

Levamos para cada leitura uma parte de nós, daquilo que pensamos, conhecemos ou temos a capacidade de imaginar. Recebemos em troca, se o autor for competente, vislumbres da sua imaginação, conceitos e conexões que se propõe a explicar e, se possível, transcender a significância de uma história.

E se damos uma parte de nós, e recebemos uma parte dele, não deveríamos ter uma preocupação real com aquilo que colocamos nas nossas histórias enquanto autores?

Não é a primeira vez que escrevo sobre significados ocultos, arquétipos ou referências literárias. Acredito que, ao escrever uma história, esta é a parte mais difícil de concretizar. Difícil não pela quantidade de conhecimentos, leituras, bagagem (literária, cinematográfica, ou outra) que o autor deve ter (o que também é um desafio), mas pela dificuldade em transpor essas referências para a história.

Porque, sejamos realistas, é impossível usar referências de forma inteligente se não as possuirmos algures numa experiência passada. E se o fizermos de forma negligente, resulta numa montanha de clichés mal-amanhados e aborrecidos (e como nós, principiantes, lutamos contra isto!).

Usar referências traduz-se num calculismo que deve estar implícito na criação de um texto. Significa deixar de ser uma criação espontânea, e natural, e passar a ser algo construído com intento e objectivo. Algo dotado de mais sentidos para além do literal. O nome duma personagem, o sol que brilha lá fora, o livro que é citado, a peça de roupa que é usada… Tudo pode ser um veículo para passar a nossa mensagem.

E isto é o que separa os autores principiantes dos que escrevem os livros com maior impacto. Eles pensam, planeiam, calculam. Sabem aquilo que desejam mostrar e o que esconder. Esta consideração é o factor que diferencia daqueles que, ao contar uma história, são capazes de a imbuir de significado, numa teia de actos e elementos expostos, por vezes, de forma tão simples e, em simultâneo, tão complexa.

Um exemplo: ‘The Great Gatsby’ de F. Scott Fitzgerald. Um clássico, uma história de aparência simples mas de significados profundos. Para lá da caracterização do mundo em que se insere (América do Norte, nos anos 20), há um conjunto que mensagens e comportamentos que o leitor reconhece e, em alguns casos, se identifica. Essas mensagens transformam a história em algo intemporal, significante, capaz de transportar o leitor para um mundo de ‘porquês?’ (Ver opinião aqui…).

Quem escreve deve ponderar o significado daquilo que introduz numa história e recorrer a referências que se repercutem no leitor. O uso adequado de personagens, eventos, locais, artefactos, linguagem, constroem uma trama de coisas que devem significar algo para o autor e para o leitor. Mesmo com significados distintos para um e outro, é aquilo que dá consistência à história, que a imbui de significância e que pode torná-la numa obra capaz de resistir à passagem do tempo.

Tarefa difícil de executar, mesmo sendo o que nos leva a escrever. Acho que ninguém quer contar uma história qualquer, criar um mundo ficcional sem um objectivo real e pessoal.

Quem escreve quer compreender o mundo e ser compreendido por ele, pelo que devemos manter-nos conscientes do que queremos dizer, como o queremos dizer e o que significa para nós próprios contar uma determinada história. Em suma, ter consciência das emoções e racionalizações que geraram um texto e de como a sua mensagem nos afecta como seres humanos.

Adensar o significado de uma história confere-lhe profundidade, uma nova dimensão no entendimento humano. E esses significados são, em última instância, aquilo que nos faz relacionar de forma tão plena com um livro.

Se é isso que procuramos, enquanto leitores, devemos trabalhar para o atingir enquanto escritores.

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