Opinião: ‘Turning Pro’ de Steven Pressfield

Turning ProAmadores? Não somos todos? Quando deixamos de sê-lo?

Quando aceitamos as nossas cicatrizes de guerra e decidimos que queremos mais…

Devorei este livro em duas horas e, neste momento, encontro-me a lê-lo pela segunda vez e a pensar há quantos meses o tenho na pilha dos ‘para ler’. Mas, só agora é que ele me saltou para as mãos… como Pressfield afirma:

“life is strange, and things work out in their own weird way.”

Este livro é uma pequena pérola. Um testemunho do autor que nos relata algumas das situações difíceis que viveu no caminho entre indigente e escritor consagrado. É também uma espécie de manifesto assente numa teoria simples mas, em simultâneo, complexa.

“The thesis to this book is that what ails you and me has nothing to do with being sick or being wrong. What ails us is that we are living our lives as amateurs.”

Pressfield reuniu alguns conceitos estabelecendo uma teoria bastante desafiadora. Iniciada no livro ‘The War of Art’, aqui, ganha outros contornos. Chamou-lhe Resistência, e significa aquilo que nos impede de nos comprometermos seriamente com o trabalho e de lutar, com tudo o que temos, para o concretizar. E daí nasceu a distinção entre Amador e Profissional, e do que é preciso enfrentar e aceitar para evoluirmos de um para o outro estádio.

Na nossa busca por aquilo que queremos fazer na vida, constatamos que passamos a maioria do tempo a boicotar-nos, a arranjar desculpas para não perseguirmos de forma séria e profissional aquilo que queremos. Não sendo mais fácil viver imerso na forma como os outros vêem o mundo, nem como nos forçam a experienciá-lo à sua imagem, resignamo-nos a esconder a nossa vontade de perseguir outros sonhos. Conformamo-nos com aquilo que podemos ter, sem nos predispormos a perseguir o que queremos.

É difícil viver o que queremos viver? Sem dúvida. E, por vezes é preciso um choque, sofrer com a própria destruição do nosso ser, chegar ao fundo do poço, perder tudo, para finalmente nos libertarmos das amarras que nos prendem aos preconceitos instituídos. Como (tão bem) dizia Bukowski neste texto, temos de perder tudo para percebermos que a nossa vida não é aquilo que os outros querem que seja, mas aquilo que fazemos dela.

Ser-se Profissional não é fácil. Custa, exige sacrifício e não é para todos. Temos de ser um pouco (muito) loucos para o escolhermos. Mas, muitas vezes, não temos escolha.

“In many ways the passage chooses us; we don’t choose it. We simply have no alternative. What we get when we turn pro is, we find our power. We find our will and our voice and we find our self-respect. We become who we always were but had, until then, been afraid to embrace and to live out.”

Muitas vezes, optamos por ignorar a nossa vocação por medo de falhar. Abraçamos outras carreiras, divertimentos, distracções, amarguras e ressentimentos, por forma a esconder o medo que sentimos em perseguir aquilo que realmente queremos porque, falharmos aí, no que realmente importa, significa destruirmos aquela parte de nós que se agarra à esperança, mesmo se infundada.

Preferimos viver uma vida “segura” na qual, se falharmos, não somos retirados do sítio em que estávamos anteriormente porque, realmente, essa vida que perdemos não importa. Como Pressfield tão bem escreve, vivemos metáforas da vida que desejamos verdadeiramente.

“Sometimes, when we’re terrified of embracing our true calling, we’ll pursue a shadow calling instead. That shadow career is a metaphor for our real career. Its shape is similar, its contours feel tantalizingly the same. But a shadow career entails no real risk. If we fail at a shadow career, the consequences are meaningless to us. (…) If you’re dissatisfied with your current life, ask yourself what your current life is a metaphor for.”

Agarrado a um conceito de Amadorismo, o autor leva-nos por algumas das suas experiências pessoais mais degradantes: as escolhas feitas na juventude e vida adulta, os sítios por onde passou, a pobreza e a indigência, as desculpas que usou para não perseguir aquilo que queria, os vícios, obsessões e hábitos que usava (ele e outros) para substituir o que era realmente importante, o medo, falta de confiança em si próprio e a auto-sabotagem. Vai mais longe, desenhando um paralelismo entre os Amadores e os viciados. Eles são os eternos desistentes, que nunca se empenham verdadeiramente em nada, porque não suportam a possibilidade de falhar.

“All addictions share, among others, two primary qualities.

 1. They embody repetition without progress.

2. They produce incapacity as a payoff.

Viciados no falhanço, sexo, distracções, dinheiro, violência… qualquer coisa serve para impedir a evolução pessoal, o aceitar das responsabilidades e da possibilidade em falhar em algo importante.

Tornar-se num Profissional não implica o reconhecimento do nosso trabalho pelos outros. Implica, sim, que nos reconheçamos a nós próprios como profissionais. Deixar o medo de falhar de lado, aparecer todos os dias para trabalhar, enfrentar o que nos atemoriza e escolher trabalhar naquilo que queremos e do qual fugimos.

Implica parar de procrastinar e enfrentar a possibilidade de falhar, e nunca desistir. Implica, muitas vezes, quebrar os ciclos repetitivos, parar de ouvir os que nos rodeiam e que nada sabem do que querem para a própria vida, quanto mais para a nossa. Implica abandonar a vergonha e o estigma de querer mais. Implica parar de nos ferirmos a nós próprios.

“Fear is the primary color of the amateur’s interior world. Fear of failure, fear of success, fear of looking foolish, fear of under-achieving and fear of over-achieving, fear of poverty, fear of loneliness, fear of death. But mostly what we all fear as amateurs is being excluded from the tribe (…) The difference lies in the way the professional acts in the face of fear.”

O medo torna-nos insensíveis aos outros, maus, cruéis. Mas, não são só os outros que sofrem. As maiores crueldades são frequentemente guardadas para nós próprios. E, se não temos compaixão connosco, como teremos pelos outros?

Esconder-se, procurar permissão, esperar que as coisas lhe caiam ao colo, viver no passado, procrastinar, renunciar ao direito de escolha, são formas de vida que perpetuam o amadorismo. São meios para chegar a um único sítio: o fundo do poço.

“I applaud your story of how you hit bottom, because at the bottom there’s no one other but yourself.”

Tornar-se Profissional é uma decisão consciente. É decidir parar de alimentar o vício. É aparecer para trabalhar, todos os dias, com intenção. É comprometer-se a enfrentar o medo, perseguir e confrontar aquilo que nos atemoriza. É esquecer as recompensas (possíveis ou imaginárias) e trabalhar pelo prazer de trabalhar.

Nada mais interessa do que o trabalho em si, ele é a tua recompensa. Sem receio, presunção, egoísmo ou ego. Isso e, partilhar com aqueles que estão tão empenhados como tu em perseguir a vocação.

“When we do the work for itself alone, our pursuit of a career turns into something else, something loftier and nobler, which we may never even have thought about or aspired to at the beginning. It turns into a practice.”

Tanto mais poderia ser dito sobre esta pequena pérola (e, como se nota, aconselho a leitura), mas prefiro reforçar a ideia de que, se estão nisto a sério (seja qual for a vossa área) então comecem a viver a vocação com seriedade. Ninguém nos dá nada, e quando o fazem são, muitas vezes, presentes envenenados.

Preferem viver para vocês mesmos ou para os outros? É que, mal por mal, pelo menos perseguem a vossa vocação…

“I will gladly Shell out $24.95 or $9.99 or $99 cents on iTunes to read or see or listen to the 24-karat treasure that you have refined from your pain and your vision and your imagination. I need it. We all do. We’re struggling here in the trenches. That beauty, that wisdom, those thrills and chills, even that mindless escape on a rainy October afternoon – I want it. Put me down for it.

The hero wanders. The hero suffers. The hero returns.

You are that hero.”

ΦΦ

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4 comentários em “Opinião: ‘Turning Pro’ de Steven Pressfield”

  1. Olá, curti muito as ideias apresentadas. Sabe se existe a tradução desta obra? Desde já, agradecido.

    1. Olá, Wilmar. Não existe tradução de ‘Turning Pro’. Foi publicado em Inglês e em diferentes formatos.

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