Opinião: “Livro de Soror Saudade” (Obras Completas de Florbela Espanca)

livro de soror saudadeRecordo-me dos primeiros contactos com a poesia de Florbela Espanca. Tenho presente que senti uma dualidade estranha entre o que lia (e o que significava para mim) e aquilo que os outros (professores e colegas) diziam sobre os seus poemas.

Defeito ou feitio, sempre tive a acesa necessidade de fazer sentido daquilo que lia, de interpretar a poesia com base naquilo que me transmitia, dando atenção moderada às interpretações dos outros. Como não será de estranhar, isto nem sempre corria lá muito bem… particularmente na escola. Mas, sempre me esforcei por encontrar aquilo que mais me dizia, a mensagem que ressoava na minha consciência.

Da obra de Florbela Espanca li “Poesia Completa” mas, antes, havia já sido exposta à selecção de poesia curricular da qual esta poetisa faz parte.

Entre sensações de tema recorrente e dramatismo exagerado, acreditei que a poesia de Espanca subjugava-se ao Amor Romântico e pouco mais. E, com esta crença, tive alguma dificuldade em encaixá-la nas minhas prateleiras mentais. As dores provocadas pelo Amor (ou a falta dele) Romântico ajudam a nutrir muita poesia e escritos afins. Mas, e por motivos mais ou menos óbvios sobre os quais tenho algumas ideias formadas, este é um tema que… cansa, ao fim de um tempo.

Continuei a ler poesia dispersa de Florbela Espanca (e coloquei-a na prateleira de poetisas preferidas no tema correspondente) e, anos depois, cruzei-me com “Diário do Último Ano”. Sou sincera, desta obra pouco me ficou na memória. Mantendo e, até, reforçando esta imagem que tinha de tragédia latente e pessimismo exacerbado, coerente com a imagética criada que os leitores comuns possuem sobre a poetisa e a sua obra.

Há uns meses, passeava por entre as bancas de uma mini-feira do livro novo e usado, de onde trouxe comigo “Livro de Soror Saudade (Obras Completas de Florbela Espanca, #2), e voltei a render-me à sua poesia. Mas, desta vez, crente de que muito daquilo que julgava saber sobre a obra desta poetisa era infundado e algo precipitado.

“Mas não te invejo, Amor, essa indiferença,

Que viver neste mundo sem amar

É pior que ser cego de nascença!” p. 110 ‘Frieza’

 

Marco na poesia portuguesa no feminino. Expoente máximo da simbologia de Paixão e Perda. Correlaciona Amor e Morte e a indissociabilidade das duas. Expositora de verdades Absolutas que se relativizam, e do Sofrimento e Saudade associadas.

“E deixa sobre as ruínas crescer heras,

Deixa-as beijar as pedras e florir!

Que a vida é um contínuo destruir

De palácios do Reino das Quimeras!” p. 124 ‘Ruínas’

 

Alguns dos poemas já os conhecia, lera-os aqui e ali de forma desconexa e desordenada. Mas nem só de poesia é este livro feito, e os “Estudos Introdutórios”, que é como quem diz, os textos de Cláudia Pazos Alonso, Derivaldo dos Santos e António Cândido Franco, trazem nova luz e significância à poesia de Florbela Espanca.

A Saudade, o sentimento tão associado ao povo português e à arte que produz, ocupa o pódio na obra de Florbela Espanca. O leitor, na sua compreensão, ganha nova dimensão com a visão de outros degustadores críticos que procuram o melhor da obra da poetisa e o cumprimento do seu último desejo.

“Saudades! Sim… talvez… e porque não?…

Se o nosso sonho foi tão alto e forte

Que bem pensara vê-lo até à morte

Deslumbrar-me de luz o coração!” p. 123 ‘Saudades’

 

A perda do amor romântico; a paixão não consumada; a extinção dos sonhos; a inevitabilidade da vida; o fulgor daquilo que nasce e a mortalha que abraça o que se extingue, o erotismo do quase; a morte dos sentimentos e a correlação física com o findar do relacionamento amoroso; os vislumbres históricos do nosso país.

“Amo-te tanto! E nunca te beijei…

E nesse beijo, Amor, que eu te não dei

Guardo os versos mais lindos que te fiz!” p. 109 ‘Os versos que te fiz’

 

A amargura e o abandono por parte daqueles que se amam ou que nunca se amaram e os sentimentos que restam depois da perda da felicidade, da traição, do engano, daquilo que se esquece, e que (na vida) passa.

“Lembro-me do que fui dantes. Quem me dera

Não me lembrar! Em tardes dolorosas

Eu lembro que fui a primavera

Que em muros velhos fez nascer as rosas!” p. 108 ‘O meu orgulho’

 

Florbela ajuda-nos a descobrir as nuances dos sentimentos mais profundos, a sublimação dos significados, junta Deus e Religião, Amor e Dor, Delírio e Saudade, Luz e Escuridão, em arquétipos dedicados à ilustração do Sentir.

“E, olhos postos em ti, digo de rastros:

«Ah! Podem voar mundos, morrer astros,

Que tu és como Deus: Princípio e Fim!…» p. 104 ‘Fanatismo’

 

Durante muito tempo pensei que Tristeza, Dor e Amor eram a base da poesia de Florbela Espanca. Agora sei que é a Vida o tema central… em todas as suas nuances de ilusões, sonhos, desejos, resultados e vontades. Não apenas a Dor mas a Esperança, aquilo que fica do que passa e o que a Vida nos ensina pelo caminho.

“Viver!… Beber o vento e o sol!… Erguer

Ao céu os corações a palpitar!

Deus fez os nossos braços p’ra prender,

E a boca fez-se sangue pr’a beijar!” p. 136 ‘Exaltação’

ΦΦ

Artigos Relacionados:

‘Ruínas’ de Florbela Espanca

Livros no sapatinho: 10 razões para oferecer livros no Natal

Opinião: ‘Para Sempre’ de Susanna Tamaro

ΦΦΦΦΦ

Entrem em 2015 com os meus devaneios literários (e afins). Subscrevam este blogue e recebam todas as novidades por e-mail.

Segue-me / Follow me:

facebook

twitter

google+

PinterestLogo

instagram

 

 

tumblr-icon

goodreads

youtube

 

Contacta-me / E-mail me:

sara.farinha@sarafarinha.com

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.