Opinião: ‘Uma ideia de felicidade’ de Luis Sepúlveda e Carlo Petrini

Carlo Petrini convida Luis Sepúlveda a escrever sobre a felicidade. O sociólogouma ideia de felicidade italiano que fundou o movimento Slow Food (sobre o qual podem ler mais aqui…) numa conversa animada com Luís Sepúlveda, o mais conhecido escritor chileno, teria sempre algo de interessante.

Mais, quando partem de uma premissa em comum: a necessidade de abrandar o ritmo, ou o conceito de equilíbrio, ou… o caracol. Este é o princípio de “Uma ideia de felicidade”.

“O caracol encarna a ideia de que não se chega à consciência e à solução dos problemas de repente, mas passo a passo: perceber porque é que as coisas estão de determinada maneira, e o que é que cada um de nós pode fazer, é um processo longos e (muitas vezes) doloroso.” Luís Sepúlveda, p.40

Das experiências pessoais dos dois escritores nasce uma espécie de enquadramento social do caracol e do que ele significa culturalmente.

“Compreendi que a lentidão não consiste apenas em andar devagar, mas é a possibilidade de recuperar um ritmo pessoal de movimento, um ritmo pessoal de desenvolvimento. (…) este direito à lentidão, este fundamental direito de enunciar: calma, preciso de tempo, decido eu o ritmo a que me movo e a direcção na qual me desloco.” Luis Sepúlveda p.45

Das vidas de ambos os autores nascem dois projectos de vida: um, na forma de uma história para crianças; outro, na forma de um movimento de cultivo e consumo auto-sustentável.

E o que comida tem a ver com o caracol que descobriu a importância da lentidão?

Bom, para além do significado tuga óbvio, em que o caracol é o petisco sazonal de eleição, falamos mesmo duma forma diferente de vivermos neste mundo.

“tudo aquilo que se faz por um mundo melhor tem um ponto de partida, e esse ponto de partida é a conquista do direito a uma existência plena. Uma existência feliz, no sentido mais complexo da palavra. Porque o termo “felicidade” implica muitas coisas. Saber que quem está junto de nós vive uma situação de injustiça social é uma ferida na nossa ideia de felicidade.” Luís Sepúlveda, p.37

Como não poderia deixar de ser, Sepúlveda fala-nos de política, de outras formascaracol de vida, de outro continente, do determinismo da sua vida que, contra as vontades familiares, moldou a seu gosto. Fala-nos de exploração desenfreada, inconsciente, cujo único propósito é o de alimentar as bolsas de uns poucos, prejudicandoos os muitos que nada fizeram para o impedir. São as Sete Ideias de Futuro… a multiplicar por dois.

Carlo Petrini fala-nos das suas contemplações pessoais na busca pela felicidade, e pelo que ela significa. Fala-nos da infância, da sua relação com a comida e da forma como idealiza que seja possível resolver os grandes problemas mundiais, como a fome.

“Durante uma grande parte da minha vida (confesso que não sem algum embaraço) passei por alguma angústia a fim de encontrar uma resposta sensata para dar a quem me perguntava o que é a felicidade.” Carlo Petrini, p.77

Defensor da gastronomia intimamente ligada ao conceito de redenção social, e do desenvolvimento das comunidades através da prática de conhecimentos históricos de cultivo e culinária, Petrini é o criador e impulsionador da Slow Food, um projecto com contornos sociais muito específicos. Fala-nos sobre a responsabilização das grandes corporações no desenvolvimento económico local, o impacto na natureza, as consequências dos modos de produção e distribuição em massa, e a gastronomia como sinal de melhoria real das populações.

“O problema é o deficit de consciência. Não se pode deixar de considerar as repercussões que a produção alimentar tem sobre o ambiente, sobre as comunidades rurais e urbanas, sobre a nossa saúde e sobre mil e um outros aspectos da nossa existência neste mundo. A comida deve ser “boa, limpa e justa”: boa qualidade organolética, sustentabilidade ambiental e justiça social para quem produz e come.” Carlo Petrini, p.87

A partilha dos alimentos, a forma como as pessoas se esqueceram de como se cultiva e apanha os produtos que lhes foram deixados de legado, o desinteresse geral pelas profissões antigas, os preconceitos e crenças sobre trabalho rural e o desenvolvimento das cidades, as ideias políticas e económicas em que essas crenças se baseiam, tudo temas aflorados nesta prossecução por uma ideia comum de felicidade.

“Exactamente como acontece com a comida que nos representa, que nos faz sentir parte de uma comunidade porque é o símbolo que a identifica, porque é familiar e nós a reconhecemos como afectiva e, de certa forma, apaziguadora, o mesmo acontece também com as relações humanas, com os sentimentos: a alma é alimentada pela troca, pelo contacto, pelo relacionamento, por vezes também pelo contraste; (…)”Carlo Petrini, p.107

Ambos os autores falam-nos de utopias, de outros esforços falhados, de tentativas de saciar as necessidades humanas em escala, de produzir massivamente, de impor desrespeitosamente outras formas de estar.

A produção da comida, o cultivo, os avanços técnicos e tecnológicos, as repercurssões desses actos, a necessidade de aceitar que os ritmos de vida auto-impostos têm consequências e que quando nos vemos a braços com elas como nos empurramos socialmente a cumprir aquilo que foi instituído ao invés de pararmos e pensarmos na melhor forma de cumprir para nós, por nós e pelos nossos.

“… a identidade é sempre gerada pela troca, que não existe sem a relação com os outros; (…) Não somos ninguém, e não somos felizes, se estivermos fechados, se estivermos sós.” Carlo Petrini, p.107

Um livro muito interessante que me deu a conhecer um pouco mais de Sepúlveda, um homem de causas humanitárias, e muito de Petrini, o fundador de um projecto com premissas muito curiosas.

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