O Clima, quando não sabemos o que dizer

o clima quando não sabemos o que dizer

Costuma-se dizer que nas conversas, e nas histórias, é aborrecido falar do clima. Na vida real, falar do clima é um quebra-gelo importante. Na ficção,  podemos falar em usar o clima a favor.

Naquele dia cheio de charme com o seu nevoeiro claro, como fina cortina protectora que tapa os edifícios mais altos, e amortece cores e formas do que vejo mais perto de mim. O primeiro dia do ano, um vislumbre místico do que era, encoberto pelo que poderia ser. – S.F. Journal 01.01.2020

O meu 2020 começou poético, diria…

Falar do clima pode ser considerado aborrecido (e, neste contexto uma refeição também pode ser…). Mas, o estado do tempo é uma analogia para tanta coisa. Ou, pelo menos, tem potencial para ser, quando usado em consciência e com propósito.

Fala-se muito sobre como pode ser usado ao início, para definir o tom de uma história. Ou, como os momentos cruciais num enredo existem num ambiente definido pelo clima. Ou, como o clima é parte constituinte do cenário de uma história.

A tradição serviu-se do estado do tempo para consubstanciar os próprios géneros literários que usamos para definir as diferentes histórias. O clima introduz na perfeição o que se espera dos acontecimentos que se seguem.

Nunca um romance gótico que se prezasse iria desenrolar-se numa tarde de sol em Miami… Podia, mas é só para ilustrar este ponto.

O Fantástico e o Sobrenatural são profícuos em determinados ambientes e climas… Como a Londres sombria de Harry Potter ou, as zonas remotas dos estados interiores da América do Norte, nas histórias de Stephen King.

Como artesãos, tendemos a procurar a ambiência que melhor ajude o leitor a viver a história. É essa a importância do estado do tempo na ficção.

O sítio onde a história acontece, e os locais onde as partes do enredo se cruzam, têm um clima, um marco temporal, um humor e uma estética associados. Estes pormenores compõem e/ou contribuem para o desenvolvimento da história.

Frodo e Sam a subir as escadas de Mount Doom em ‘O Regresso do Rei‘, fazem-no na escuridão, num clima tempestuoso e putrefacto, em que o dia já não se distingue da noite tal é a proximidade à raiz do mal. Vêem os raios que caem na planície, tão longe deles, como os braços que se estendem para lá de Mount Doom e que tocam tudo o que estando longe, está a ser tomado pela escuridão. E, todos os seus sentidos são abafados por essa tempestuosa escuridão que reforça a desolação que sentem naquela demanda. E, como nos cansam as pernas, ao ler a quantidade de degraus que eles treparam em sofrimento, e sem qualquer medida de passagem do tempo, atingidos pelo clima como se fosse um ataque pessoal, para destino incerto…

O clima é usado como propagador do poder terrível de Sauron sobre Mordor e o avanço sobre todas as terras a perder de vista. O clima é usado para retirar a coragem àqueles de quem a demanda depende. O clima é símbolo da luta do Bem contra o Mal.

As condições climatéricas a que sujeitamos as personagens são, ou devem ser, símbolos do que se passa na história e/ou do que se passa na mente/coração/corpo da personagem.

O clima pode ser usado para avançar, ou quebrar, o ritmo de uma história.

Avançar a história quando, por exemplo, usamos uma tempestade para isolar duas personagens do mundo lá fora e precipitar que sejam obrigados a concluir algum aspecto relevante para o desenrolar da história quando se vêm confinados em situação adversa.

Quebrar o ritmo da história se, por exemplo, usamos o clima para forçar um desencontro entre duas personagens, como estava sol decidiu ir ao parque ao invés de ficar em casa, que deixaria antever e resolver a história de forma precoce.

Ao escrever humor, os contrários resultam sempre pois o inesperado, ou o pouco habitual, serve para divertir o leitor, enquanto se reveste a história de coisas que poderiam ser consideradas cliché.

Se estamos à espera de encontrar um ambiente e vemos outro, traz dimensão e interesse à história. E, como temos de trilhar o caminho dos clichés com muito cuidado, é importante escolher bem a ambiência da cena sem perder o factor surpresa.

Um dos pontos a reter, quando escrevemos uma história, é a importância fulcral que o clima tem na sua construção. Especialmente, se for construída tendo o clima uma relação directa com a localização geográfica onde decorre a acção.

Nestas circunstâncias temos uma listinha de perguntas que convém verificar e responder como:

Como evolui o clima durante a história? Para que serve cada condição climatérica e em que contribui para a história? O que é típico dos locais onde a história tem lugar? O que serve melhor a descrição que usamos no texto? Qual a alteração climática que os locais da história sofrem durante os períodos que a história dura? (dia/noite; meio-dia/16H00; Outubro/Junho…)

Conhecer os aspectos da vida constrangida pelas condições climatéricas, e como isso afecta as actividades diárias, as estações do ano e a cultura de um local, são aspectos essenciais para a construção de uma boa história. Dou como exemplo “Luzes do Norte” de Nora Roberts. Entre outras coisas, aprendi que se usam cobertores para tapar os motores dos veículos estacionados.

Todos estes cuidados a ter devem aparecer quando: fazemos as nossas pesquisas iniciais; quando construímos o plano da história; quando escrevemos os primeiros rascunhos; e, quando revemos o texto.

Citando Virginia Woolf:

Fiction must stick to facts, and the truer the facts the better the fiction. – “A room of one’s own” by Virginia Woolf

A ficção deve basear-se nos factos e, quanto mais verdadeiros estes forem, melhor será a ficção. Concordo em pleno.

Costumam utilizar o estado do tempo a favor das vossas histórias?

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