Superpoderes e a força das coisas que não vemos

superpoderes

Tudo o que vivemos está sujeito à força de coisas que não vemos.

Coisas que não conseguimos observar no momento imediato, mas que são reais, e que se tornam observáveis com a passagem do tempo. Podemos pensar no movimento de rotação da Terra, a força das marés, ou a erosão das arribas, como uns poucos exemplos.

Ou, podemos olhar para esta pandemia, e teremos aqui um bom exemplo…

A par destes, há muitas outras forças invisíveis aos olhos, que se repercutem pelo tempo e emergem como coisas acabadas, sem que se notem as acções subtis e repetitivas que elas levaram, até se manifestarem daquela forma.

Os Escritores, e todos os que executam as suas Artes, são assim. Sujeitos a forças de coisas que não vêm acontecer mas que se manifestam, aos poucos, em cada dia que passa. Até parecer que tudo aquilo em que tocaram é obra acabada.

Acredito que as pessoas criativas, os escritores e os artistas, são os Super-heróis dos nossos tempos. Aqueles que arranjam soluções para realidades difíceis.

Sempre fui dada a coisas de Super-heróis. Quando era miúda, não comprava BD’s, porque não tinha mesada para isso, mas tive alguém que mas emprestava com regularidade. Li todas às quais deitei as mãos. Aquelas que foram a base da gigantesca moda que se formou nas últimas décadas. Eu adorava as revistinhas que eram tão desprezadas pelo mainstream daquela época. Ainda adoro as partes da BD que trazem consigo algum significado…

homem-aranha
Lembro-me tão bem de ficar à espera deste…

E, estou mortinha para ver este Batman

Por isso, quando li algures que tínhamos de responder à pergunta “Qual é o teu Super-poder?” para poder descobrir o cruzamento entre aquilo que fazia sem dificuldade, e a fonte de rendimento que me aguardava (uh! volto a tocar no tema tabu do dinheiro…), fui atirada para tempos de infância a relembrar o dilema típico do Super-Herói.

Acho que cada um de nós, se foi fã dos “inícios” da BD, relembra os principais dilemas dos Super-heróis: saber distinguir o Bem do Mal; descobrir a Coragem, a abnegação e o respeito; fazer as escolhas certas; defender os indefesos; usar os seus poderes para fazer o Bem; e, por aí fora… (sintam-se livres para acrescentar mais alguns aqui nos comentários)

Estes são os dilemas típicos de Super-herói. E, os nossos também.

Responder à pergunta “Qual é o teu Super-Poder?” apresenta-se, neste contexto, de forma um pouco diferente. Apesar de, nunca podermos deixar de lutar por conquistar as nossas respostas aos típicos dilemas dos Super-heróis, podemos encarar esta pergunta de uma forma mais adequada ao nosso contexto criativo:

Qual é a actividade que fazes sem qualquer dificuldade? Aquela que é tão natural que não acreditas que possa ser um Super-Poder? Aquela que só tu sabes fazer dessa maneira tão especial? Qual é o teu Super-Poder BANAL?

E, claro que, se não vês o quão especial essa actividade é, para ti ela não existe.

Só existem as actividades difíceis, penosas, poderosas na sua imensidão de dor e dificuldade. Eu sei. Este é o meu mindset por defeito.

Não queiram saber a quantidade de tempo que passei a listar e eliminar coisas desta lista. Assim como, não queiram saber, quão difícil foi destrinçar a ideia de “difícil de fazer”, da ideia “valor de fazer”, da ideia romântica “sonho fazer”.

Se puderem aprender com os meus erros, não comecem por aí. Sou toda a favor da auto-análise pessoal, mas procurar o BANAL através da busca por aquilo que é Complexo, nunca poderia ser a resposta…

Não posso dizer que, de repente, tudo se encaixou. Nop. Claro que andei a escarafunchar para tentar perceber qual seria, ou se teria sequer, um Super-Poder. Se estava a ser presumida, ou idiota, em procurar, sequer, um Super-Poder. Ou, se em todas as actividades criativas que tenho praticado nestes anos todos, se havia alguma delas que pudesse ser um Super-Poder. Alguma que, por teimosia ou desespero, eu tivesse abandonado, e seria esse o meu Super-Poder perdido.

Ora, vamos voltar à questão: Super-Poder é aquela actividade que fazes, de forma tão fácil e fluída, que nem te apercebes que é, em si mesma, um Super-Poder. E, é na intersecção desse Super-Poder com o Mercado, que podes ser feliz a fazer aquilo que gostas de fazer.

Não faço nada que seja fácil. Tudo requer pensar, aprender e executar. Sem tempo para tal, com professores adoptados à força, e com dificuldades. Nada flui por magia. Não há facilidades neste mundo de dificuldades. Há queimaduras de cola quente, uma criança para educar, confusão mental, resmas de ideias incompletas, poucas horas para dormir e, para coroar a cena, uma pandemia em movimento.

The 100 days project
TAG do dia #16 para #The100DaysProject

Procurar consolidar o que sei sobre mim, com esta ideia de Super-Poder, tem-me incomodado, confesso. Até que…

Ontem, completei o meu segundo journal de 2020. O segundo porque, finalizei o journal de 2019 e, a 21 de Janeiro de 2020 iniciei o de 2020. E, ontem (28 Abril de 2020), realizei que escrevi nele da primeira até à sua última página. E, que bem que isso me soube.

Iniciado a 21 de Janeiro, contém o percurso pessoal que fiz com “The Artist’s Way”, contém ideias e stream of consciousness com fartura, contém todas as duas primeiras horas, que começam às 6h da manhã, de cada um dos meus dias nos últimos três meses, contém conclusões e práticas que introduzi e como resultaram (ou não) comigo.

morning pages journal
Um bocadinho de magia
(Se quiserem saber mais sobre estas práticas, deixem-me uma mensagem neste artigo e eu escrevo mais sobre o que me ajudou a permanecer criativa nos últimos meses)

No meu Barquinho das Letras (de que já vos falei aqui…), ao lado da minha secretária tão bem posicionada (como podem ler aqui…), juntei uns quantos journals, ali por baixo de todos os meus manuais de consulta rápida, que tenho de ter à mão.

Na minha estante, encaixei umas versões mais antigas. Daquela época em que os cadernos espiral A4 serviam, perfeitamente, para esta actividade que sempre desconsiderei. E, ocorre-me agora que, encafuei outros no roupeiro do corredor…

arco-íris
Arco-íris portátil

Aliás, devem recordar-se da quantidade de vezes que escrevi “odeio diários” aqui espalhado por este blog. E, porquê? Porque me convenci que odeio diários? Tenho as minhas suspeitas de que não será bem isso…

Descobri que, aquilo que sempre fiz com facilidade foi… rabiscos. Escrever, Registar, Documentar, Palavrear mesmo se sem sentido, pôr qualquer coisa numa página qualquer… Não importa o quê, sob que formato, com que aspecto, ou se tem sequer um objectivo.

Rabiscar era tão importante que, quando me privei de o fazer, quando parei de escrever e cedi ao bloqueio no meu caminho, abandonando a prática que era tão fácil que só podia ser uma mentira, assim, à laia de girassol, murchei.

E, só após completar o “The Artist’s Way”, o primeiro journal completo de 2020, e constatar algumas coisas, é que percebi as inverdades de que me alimentei. E, nunca antes de resolver, por escrito, algumas das coisas que me atiraram para um bloqueio tão profundo que, só a ideia de me sentar a escrever me fazia sentir uma fraude (umas palavrinhas sobre a síndrome do impostor aqui…).

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Algumas páginas de notas pessoais

Procurei os motivos da vergonha que sentia dum primeiro livro publicado. Não era bom. Mas, também, não era assim tão mau. Acima de tudo, foi aprendizagem. E, mantive este blog a funcionar, com mais ou menos frequência. Porque permiti que este primeiro livro publicado me enfiasse na “caverna”? Escondida da Criatividade prática de quem escreve?

Quer dizer, não parei de escrever. Escrevi mais livros e enfiei-os na gaveta. Escrevi contos que publiquei e excertos de outras histórias que nunca passaram disso. E, para vos dizer a verdade, soaram todos a tentativa de provar alguma coisa… não sei a quem, a mim própria, com certeza.

Não foi algo que aconteceu de forma automática. Foi acontecendo à medida que a vida se complicava. E, depois, em que eu me complicava a mim própria. Acima de tudo, acho que me complico a mim própria… Daí a minha dificuldade em encontrar aquela coisa tão simples que era o meu Super-Poder banal.

A maior lição a guardar disto tudo: não importa quão bem dominas as letras se perdes a vontade de as utilizar.

Escrever, assim como tudo o que exige necessidade de aperfeiçoamento, é uma prática diária. Não pode ser de outra forma.

Escrever é uma prática diária. Click To Tweet

É importante praticar o Super-Poder diariamente. É importante descobrir como encher aquilo que passei a identificar como o poço criativo. É importante nunca parar de procurar a resposta ao que nos preocupa/bloqueia.

A resposta, para mim, veio através do “The Artist’s Way”. Para vós, pode vir de outras formas… E, nisto, espero poder contribuir de forma positiva.

É importante não desistir de procurar. Não desistir de Sonhar. Importante é perseverar, seja de que forma for, até podermos Ser o que Somos.

Esperança
Esperança

Sei que, neste momento, somos muitos neste mesmo barco. Um barco cheio de buracos imaginários, ao lado de alguns bem reais. E, é assim que os buracos imaginados se materializam, e passam a ser mais determinantes do que as situações que a realidade nos impõe. Muito do que sofremos é imaginado.

Não permitir que a Criatividade desapareça, através dos buracos imaginários, deve ser a nossa maior e mais importante luta.

Espero, sinceramente, que estas palavras vos tragam algum conforto nestes tempos de tanta incerteza. Que as necessidades práticas, e económicas, que enfrentamos não nos alimentem os buracos imaginários, que somos tão bons a criar, apenas para furar o barco.

Sei que, para mim, esta prática diária traz-me conforto e alento. E, sei que me trago sempre à procura… Experimentem.

Obrigada e até breve.

PS: Mantenham-se seguros. Tomem precauções quando saem de casa. Especialmente, nos países em que a agenda política e o desrespeito pela Vida têm provocado os maiores danos. Sei que este blog tem muitas visitas do continente americano e, em especial, do Brasil. Pelo que vos peço, p. favor, mantenham o Isolamento Social, para além das medidas de higiene, desinfecção de objectos e espaços, e uso de máscaras e luvas. Esta é a única resposta coerente a esta pandemia. Tudo o resto serve apenas para nos distrair.

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Tu és importante.

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