Cada um de nós tem um lote emocional. Um pequeno espaço que é, absolutamente, próprio e intransmissível.
O nosso lote emocional é um terreno que enchemos com aquilo que desejamos. Onde somos quem somos, temos o que queremos ter, pensamos como queremos.
Cada lote emocional é diferente do lote do vizinho. E, há tantos lotes como há pessoas no mundo.
A forma como pensamos esse lote, e aquilo que colocamos lá dentro, é a paisagem pessoal de cada um de nós. A disposição espacial dos objectos, o minimalismo ou coleccionismo, os sentimentos e ideias que retemos.
Tudo o que faço escolho guardar, ou não, nesse espaço. Tudo o que vivo caracteriza-o. Somos pessoas distintas e, são as coisas que escolhemos colocar nesse lote que nos caracterizam.
Cada Personagem é assim. Um indivíduo, com um lote emocional pessoal e intransmissível, cheio de coisas que escolhe reter ou eliminar desse espaço, com vivências e dores que o fazem ter uma voz própria e intransmissível.
Ou é assim que deveria ser.
Quando imaginamos uma Personagem sentimos uma curiosidade em conhecer o lote emocional dessa pessoa. Embarcamos numa viagem de conhecimento sobre os seus valores, os motivos dos seus actos, os seus gostos e ódios, e tudo aqui que faz parte dessa paisagem pessoal.
Qual é o truque para conhecer o lote emocional da Personagem?
O conhecimento que temos do nosso próprio lote, e dos lotes das pessoas que nos rodeiam. Quando estamos atentos à paisagem dos lotes emocionais daqueles com que nos cruzamos, aprendemos a retirar o aspecto de outros lotes, que não o nosso, e expomo-nos à diversidade e complexidade dessas paisagens emocionais.
Assim, aprendemos a conhecer melhor o aspecto do lote das pessoas nas nossas histórias.
Descobrir a paisagem de um lote emocional é um trabalho exaustivo e, por vezes, desapontante.
Um Herói pode não ser a figura que esperávamos. Assim como um Vilão.
Cada um escolhe encher o seu lote do que mais lhe convém. Essas escolhas podem deixá-lo entregue à ruína e degradação. Podem estar entregues ao espaço vazio. Podem estar cheios de coisas assustadoras. Podem conter grandes delícias.
Desconhecer os lotes daqueles com que construímos as nossas histórias é algo que se paga caro. Algo que se vê no texto.
Uma Personagem ignorada, ou pouco explorada, acaba por se revelar difícil. Pouco credível nas suas participações. Um objecto sem dimensão própria, ao invés da pessoa completa (mesmo se completamente parva!) que devia ser.
Não é fácil construir Personagens. Por vezes, levam anos a mostrarem aquela faceta que faz diferença. Aquela que não conseguíamos vislumbrar senão por fé.
Por vezes, abandonamo-las à sua sorte quando, anos depois, elas se mostram pouco cooperativas ou, absolutamente, incompatíveis com a nossa história. Por vezes, é essa incompatibilidade que gera a história que não vimos nascer e que nos transporta para casa.
Como desvendamos esses lotes emocionais das Personagens?
Sentamo-nos, com eles, e conversamos. Muitas vezes. Tantas conversas quantas forem precisas para os conhecermos.
Prestamos atenção. Observamos os lotes emocionais dos que nos rodeiam. Comparamo-los entre si. Evitamos juízos de valor.
Atentamos às entradas nos lotes alheios sem autorização. A como os convidamos a sair do nosso lote quando é este que é invadido. Ou quando somos nós os convidados a sair de lote alheio.
Uma Personagem é uma representação de uma Pessoa. É uma figura complexa que nasce da observação real.
Uma Personagem não é uma caricatura. De traços, estupidamente, exagerados e sentimentos planos. Pagamos caro se caricaturizamos a personagem errada, no momento errado. Perdemos sentido, sentimento e dimensão.
A excepção a isto é o seu propósito. Se o objectivo for a Personagem ser uma Caricatura, servindo assim a história, pelo exacerbar ou diminuir das suas características, então não nos devemos intrometer no seu papel. Por exemplo, um super-vilão tem como característica exacerbada fazer o mal a todos.
Devemos considerar se caricaturizar determinada característica de uma personagem serve melhor a história.
Pessoa e Personagem ganham dimensão emocional quando enfrentam desafios. Desafios significam Crescimento.
Para as Pessoas, estes desafios não costumam ser de Vida ou Morte, nem de consequências claras no grande esquema das coisas. São as micro-decisões que revelam as pessoas que somos.
Por vezes, o que mais nos define como pessoas é aquilo que não dizemos. As coisas que evitamos fazer. O que escondemos.
Em oposição, o que define as Personagens tem de ser a Acção.
É a Acção que impulsiona a história. Mesmo que exista inacção, também esta deve servir para dar esse impulso. Agir é Crescer. Ser-se desafiado a Agir é Crescer como Indivíduo. E, se as Pessoas aprenderam a fugir do Crescimento, as Personagens só vivem dele, e das Acções que levam a ele.
Óbvio que, aquilo que reunimos da vida real, o conhecimento dos lotes emocionais das pessoas que nos rodeiam, tem de ser complementado com o que sabemos sobre as regras de contar histórias.
Uma Personagem inspira-se na Pessoa(s). Para a história avançar e funcionar é preciso controlar a Acção e a Inacção. É com isto que escrevemos uma história que nos diga (aos Homens) algo de importante. Algo com sentido e significado, que usa o que, sabemos sobre nós próprios e sobre os outros e que, em última instância, mostra a nossa forma particular de ver o mundo.
Como escritores, isto é o que trazemos ao mundo: a nossa forma particular de entender o que nos rodeia. Ilustrado pelas nossas experiências, visto pelos nossos olhos e contado pela nossa Voz.
É a manifestação do nosso lote emocional, e o que aprendemos com os lotes alheios, junto às regras desta arte, que nos ajuda a criar Personagens.
Como criam as Personagens das vossas histórias? Falam com elas? Inspiram-se no quê?… ou em quem?
Deixem os vossos comentários em baixo. Respondo assim que possível.