Primeiro estranha-se, depois entranha-se… Usando um cliché, algo tão pouco digno (mesmo se apropriado) para uma obra destas. Assim é a escrita de Bukowski em ‘Tales of Ordinary Madness’. Primeiro um WTF e, depois, um UAU. Aprofundando…
Este é um conjunto de contos cujos temas passam pelas banalidades da vida quotidiana. Um escritor, um jogador inveterado, um alcoólico, um poeta, um inconformista, um frustrado, um verdadeiro proscrito da sociedade… ou vários. As suas acções, os comportamentos, pensamentos e atitudes. Cada personagem, cada vislumbre de humanidade, cada banalidade, cada acto corriqueiro transforma-se numa história. Cenas cuja autenticidade as eleva a algo mais, retratam uma realidade decepcionante, são verdadeiros exemplos da mentalidade humana.
“baby, why do people try to hit us with their cars?”
“well, mama, it’s because they are unhappy and unhappy people like to hurt things.”
Aren’t there any happy people?”
“there are many people who pretend that they are happy.”
“why?”
“because they are ashamed and frightened and don’t have the guts to admit it.”
“are you frightened?”
“I only have the guts to admit it to you – I’m so god damned scared, mama, that I think I’m going to die any minute.” Charles Bukowski ‘Tales of Ordinary Madness’
São histórias que colocam em causa a normalidade das nossas vivências. Histórias que, sem exultar o melhor ou o pior da condição humana, a descrevem com uma brutalidade impressionante. Não é suposto sermos guiados para concluirmos grandes coisas ou inferirmos o certo e o errado. Mas, sim, compreender e aceitar que cada um vive à sua maneira, experiencia o mundo da sua forma, e são esses pensamentos mais ou menos aleatórios e constantes, tais como os das personagens, com que vivemos no dia-a-dia.
“… he’d fallen drunk across their tables and they hadn’t murdered him when he really wanted to be murdered, when death was the only place to go.” Charles Bukowski ‘Tales of Ordinary Madness’
Este é um livro que fere susceptibilidades. É uma obra que, quando lida em espírito crítico (na pior acepção da palavra crítico) levanta muitas oposições àquilo que a sociedade nos diz ser o correcto, o aceitável, o normal. Nestas páginas há muito de normal mas, não o normal de socialmente aceitável, ou politicamente correcto, ou humanamente definido como certo. Há uma loucura inerente a tudo aquilo que a vida dita normal nos proporciona.
“our sins are manufactured in heaven to create our own hell, which we evidently need.” Charles Bukowski ‘Tales of Ordinary Madness’
Com excepção de um conto que usa algum fantástico nos seus intervenientes (e outro que podemos alegar loucura da personagem principal no decorrer da acção), os restantes compõem-se de cenas que reconhecemos da cultura norte-americana, tal como nos têm chegado nas últimas décadas. Rasgos indissociáveis de uma população, e duma época, que gera os melhores e os piores homens.
“they have cages ready for the likes of us. I don’t think I could take another cage, not one more god damned cage of theirs. I build enough of my own.” Charles Bukowski ‘Tales of Ordinary Madness’ p.154
São histórias que nos confundem com a sua crueza, que nos divertem nos seus excessos, que nos surpreendem com leviandade, que nos chocam com violência. Mas são, também, histórias que nos despertam para outras vivências, outras moralidades, outras crenças e uma visão incontestável de que não somos todos feitos a partir do mesmo molde. Há umas cópias e uns originais, uns que são feitos em moldes mais partidos mas, de certa forma, mais verdadeiros. E, que tudo isso, não é mau… Só porque não corresponde às nossas expectativas, ou às nossas verdades absolutas, ou aos nossos desejos de normalidade.
“you couldn’t talk to a shrink any length of time without feeling crazy yourself. The reason most shrinks become shrinks is because they are worried about their own minds. And examining our own mind is the worst thing a crazy man can do.” Charles Bukowski ‘Tales of Ordinary Madness’
Acho que é preciso um espírito livre e uma mente aberta para apreciar os escritos de Bukowski. Acho que é preciso uma capacidade de encaixe nos níveis WTF/UAU para sermos capazes de absorver as possibilidades de significados contidos nestas histórias.
“I was vaguely considering the fascination of starving to death. I only wanted a place to lie down and wait. I didn’t feel any rancor against society because I didn’t belong in it. I had long ago adjusted to that fact.” Charles Bukowski ‘Tales of Ordinary Madness’
Para mim, é um livro que vai ficar na mente por algum tempo e um início brilhante que me fará procurar mais obras deste autor, e estou particularmente curiosa com as suas criações poéticas (e acabo de descobrir que há um exemplar disponível para leitura gratuita no goodreads – ver aqui…).
Charles Bukowski, um autor que entra, sem qualquer entrave, para a minha prateleira de favoritos.
“children’s games, that’s all people play: children’s games – they go from the cunt to the grave without ever being touched by the horror of life.” Charles Bukowski ‘Tales of Ordinary Madness’
ΦΦ
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2 comentários em “Opinião: ‘Tales of Ordinary Madness’ de Charles Bukowski”