“Destruir-me, seja! Perturbar-me, nunca!” Em ‘O Eterno Adão’ de Júlio Verne
‘Ontem e Amanhã’ é uma edição que reúne quatro novelas deste tão conhecido autor de fantástico (e não só).
A minha curiosidade pela sua obra, para lá do mais conhecido, impeliu-me a ler estas novelas. De espírito aberto, cedo percebi que o estilo deste autor pouco tem a ver com a nossa actualidade literária.
Colocando de forma mais simples, Verne apresenta uma grande tendência para declarar o óbvio e demorar-se nos pormenores. Muito de alguns destes contos enfatuam a necessidade do autor em explicar tudo muito bem explicadinho, acabando por Contar mais do que Mostrar.
Contudo, Verne demonstra aquilo pelo qual é conhecido, uma boa dose imaginativa.
Das quatro novelas, fiquei agradavelmente presa na última ‘O Eterno Adão’. Uma premissa que se revela interessante, uma extrapolação razoável e um conjunto de eventos que nos põem a pensar no ‘E se…’. Esta foi, sem qualquer dúvida, a história que mais me cativou.
‘O Eterno Adão’,
conta a História da Humanidade em dois tempos. O que é, e o que havia sido. Um passado descoberto por mero acaso e provando a facilidade com que os caminhos da verdade histórica podem ser alterados no presente.
‘No século XXIX – O dia de um jornalista americano no ano 2889’,
Verne descreve-nos (com ênfase na descrição) o funcionamento do único jornal do planeta cujas notícias eram faladas ao invés de escritas. (Não me escapou a ironia)
De raízes bem assentes no Fantástico, e algo de Ficção Científica, esta novela toca também os princípios da influência dos Media, e o poder que advém do acesso e divulgação da informação.
‘A Mistificação – costumes americanos’,
escrita em 1863, é uma sátira ao comportamento dos empreendedores do Novo Mundo.
Um homem empreendedor, de poderes imensos, muito dinheiro e um segredo extraordinário. Um típico personagem assente no exagero de tudo, comportamentos, discurso, objectivos, tão atribuído às pessoas da América.
A completa adoração do público, os intuitos evidentes de trapaceiro, o exagero das suas vivências, ilustram esta crítica social. Uma novela que apela ao nosso desejo de comedimento e contesta valores pessoais. Em que nos deparamos com o Sucesso acima da Verdade.
‘O destino de Jean Morénas’,
escrita em 1850, quando Verne tinha 22 anos. Foi, mais tarde, bastante modificada de acordo com informações dadas em nota de rodapé.
Mais uma história sobre Certo e Errado. Nesta, acompanhamos Jean Morénas no seu destino injusto. E, na última oportunidade, as suas opções acabam por definir que o futuro se mantenha tão fatal como o passado.
De reviravoltas interessantes, esta novela possui um estilo de escrita algo aborrecido. É como se o autor tivesse, à força, de encaixar todas as palavras que deviam existir. Comecei por afirmar que esta história foi, mais tarde, bastante modificada. Com uma premissa, e um desenvolvimento interessantes, espero que a revisão tenha feito jus à história.
‘Ontem e Amanhã’ surpreendeu-me. Cada novela é, à sua maneira, um conjunto de ensinamentos sobre as possibilidades da escrita. Seja pelos géneros literários em que se inclui, ou pelas reviravoltas de cada história.
Para quem escreve contos e novelas, aconselho a leitura desta obra mais dispersa, de Júlio Verne.
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