Quando a Língua muda, a Cultura muda. Quando a Cultura muda, a Literatura muda. Quando a Língua muda, a Literatura muda.
Com tantas mudanças em operacionalização é justo acreditar que aquilo que escrevemos tem um grande impacto na nossa cultura.
Ou é ao contrário? A nossa cultura tem um grande impacto naquilo que escrevemos?
A forma como Jane Austen escrevia as suas obras reflectia a cultura em que ela vivia e, por sua vez, os seus escritos ajudaram a moldar a cultura no seu tempo (uma mulher a escrever, e a se paga pelos seus escritos, era algo quase impossível!).
A obra de J.R.R. Tolkien imbuiu-se da cultura da época, dos acontecimentos mundiais, da fantasia que imperava na altura, para criar a sua obra. O seu impacto na literatura e, por sua vez, na produção cultural, continua a exercer os seus efeitos até hoje… e, não se prevê que cesse em breve.
É, assim, possível ponderar como as mudanças culturais têm impacto na nossa escrita? E, porque é algo que não identificamos, de imediato, na nossa obra mesmo sendo a base dela?
Alguém sonhava que haveria tanta gente a escrever sobre sexo? Ou romance sobrenatural? Alguém previu a multiplicação de tantos romances LGBTI? Alguém sonhava que a literatura para jovens adultos se tornaria num género para adultos? Alguém previa a difusão massiva das histórias fantásticas e sobrenaturais? Ou antecipavam a reviravolta de sucesso para géneros literários, perdidos no tempo, como a ficção científica?
O que vemos nós no mundo que nos impele a procurar ler, e escrever, sobre determinados temas em detrimento de outros? Como mudámos, como pessoas e como sociedade, que alimente a expansão literária para temas pouco, ou nada, explorados até há poucos anos atrás?
Se há mais mulheres a ler, faz sentido que haja mais mulheres a escrever. E, que se escreva mais sobre e para elas, por exemplo.
Se há menos opressão social, legislativa e política, sobre escolhas sexuais, é natural que as pessoas escrevam sobre os temas com que se relacionam.
Se há um déficit na produção literária dedicada a um certo público-alvo, é normal que haja um maior incentivo à sua produção.
É normal que a fantasia se sobreponha à realidade afinal, ler é suposto ser um prazer, e não um lembrete das realidades que preferíamos evitar.
A Literatura influencia a Cultura e, a Cultura influencia a produção de Literatura.
Seria de esperar que pretendêssemos contribuir para estas duas no melhor das nossas capacidades. A nossa contribuição linguística, literária e cultural, permanecendo um retrato da realidade que experienciamos, servindo para nos acrescentar a todos.
Não é apenas o período histórico que influencia a literatura. Os eventos sociais que experienciamos enquanto povo ou sociedade, as formas de ser, estar, falar e operar. Também as dificuldades que enfrentamos em cada período da nossa história, e o alterar dos próprios limites e duração da nossa existência física, tudo isso é relevante para o que escrevemos hoje.
A ficção atreve-se a representar, de formas bem alegóricas, a realidade que vivemos num determinado período da nossa vida, ou num determinado tipo de sociedade.
Não faz sentido ficar preso nos saudosismos de época ou género. Faz sentido contribuir com o que temos, e cuidar para que tenhamos a perspectiva que melhor sirva as nossas sensibilidades literárias.
“Consider how difficult it would be to know anything about history—or our own former lives—if it weren’t for language. Without written texts, we wouldn’t know about the empires of Babylon, Rome, China, or Maya.” Joshua Conrad Jackson Psychology Today
As relações entre as pessoas, e as imposições estatais, legais, políticas, são tão afectadas pelo momento presente, que tendemos a transpor essas vivências para a literatura.
Quando a forma de nos relacionarmos entre nós muda, também as nossas histórias mudam. Aquilo que nos ensinam evolui da antiga passagem oral para um registo em papel, para um suporte virtual, e para o que vier a seguir.
A Literatura é uma parte da Cultura de um país. Escolhemos os livros que damos a ler aos nossos filhos. O Estado escolhe os livros que devemos ler para conhecer a nossa nação e o nosso povo. A realidade económica escolhe os livros aos quais teremos acesso durante as nossas existências.
Somos moldados pelos livros que lemos, mesmo se saímos da escolha com pouco sobre o que falar neste domínio, com excepção do desagrado profundo com a obrigação em ler os calhamaços de antes, de produção nacional, tão pouco adequados à maturidade intelectual que temos, e que nos instilaram neste trajecto.
Espantoso, não é?!?! Como podemos gostar daquilo com que não nos identificamos ainda?
Documentar é o alimento de todos os escritos, de todas as épocas, e das expectativas que temos do futuro. A nossa Cultura muda quando escrevemos. A nossa Cultura Global pode ser profundamente afectada pelo resultado dos nossos (povo) escritos.
Quem somos nós, e o que escrevemos nós, quando nos libertamos dos constrangimentos da actual sociedade humana?
Como mudamos o que é escrito no nosso tempo, ao ignorar os temas da moda, e perseguir as nossas paixões sem misericórdia ou barreiras de aceitação social?
Quando a Literatura muda a Cultura muda? Quando mudamos sobre o que escrevemos, mudamos a Cultura?
Por vezes, sinto que escolhemos condenar a produção literária actual pelo simples facto de ser… actual. Comparamo-los aos Grandes Clássicos e, claro que, sob essa luz, parece-nos que ficamos sempre em falta para com o que já foi escrito… quando até lhes reconhecemos tantas coisas que podiam ter sido escritas de outra forma.
Mas, aquela coisa de sermos amparados nos ombros de gigantes aplica-se. Assim como, aquela outra coisa de contribuirmos para o avanço da nossa cultura, enchendo-a da actualidade que existe agora.
Usar quem somos, aquilo que o nosso tempo produziu e ajudou a moldar, não pode estar errado. Em especial, se o fizermos no melhor das nossas intenções e capacidades.
O impacto das Mudanças Culturais na nossa Escrita é gigante. A mudança dos paradigmas culturais afectam aquilo que escrevemos. E, o que escrevemos é influenciado pela mudança cultural que experimentamos (ou que conseguimos vislumbrar).
Mas, acima de tudo, somos nós que ajudamos a materializar a mudança, que a impulsionamos, por quem somos, e com o que fazemos. E, a mudança ajuda-nos a materializar a cultura, através da nossa escrita, de formas inesperadas.
Por isso, menos condenação e mais apoio… e seríamos (e sentíamo-nos) todos um pouco melhor.