Frankenstein: ou o Prometeu Moderno de Mary Shelley

Frankenstein

Olá! Sê bem-vindo a este [baú de curiosidades literárias].

Há uns anos, decidi incluir “Frankenstein: ou o Prometeu Moderno” nas leituras do meu primeiro read-a-thon de Halloween. Como leitora sensível, que sou, não costumo gravitar para leituras de horror e mistério. Por isso, uma vez por ano, durante 48 horas, reservo-me o espaço mental para ler estes livros, de maior potencial para me agraciar com pesadelos e sustos amiúde, cada vez algo range no universo. Assim, em 2021, parei a evitação de certos livros que tinha ali na estante e inaugurei o desafio de leitura Halloween read-a-thon.

E… lá se foi a minha intenção de “ouvir” Voltaire, que diz: “Nada é mais difícil, e mais raro, do que um estilo totalmente adequado ao assunto em questão.” Enfim, um [baú de ciuriosidades literárias] deve ser divertido. Qual será o estilo adequado a “Frankenstein”? A curiosidade do leitor.

horror stories
Esta edição é linda!

Sobre Frankenstein: ou o Prometeu Moderno de Mary Shelley

Esta é a história de Frankenstein. A história de Mary Shelley. A história de alguns pormenores interessantes sobre a autora e sobre esta sua obra.

Este é um convite à exploração de alguns elementos desta história, que tantos leitores tem cativado, ao longo dos últimos dois séculos.

Esta é a história de Victor Frankenstein, um jovem estudante que constrói e dá vida a um monstro, feito de pedaços de corpos de seres humanos, e animado por electricidade, no seu retorno a uma existência consciente.

Mas, o Monstro revolta-se contra a sua condição, sentindo a solidão, a diferença de todos os outros, e a incapacidade de se integrar no seio dos seres humanos.

Na sua existência, é confrontado com conhecimentos literários e acções humanas, o que lhe proporciona uma perspectiva da sua condição.

Na sua raiva amargurada, o Monstro persegue o criador, e todos os seres que fazem parte da vida deste, numa vingança sem misericórdia.

livro Frankenstein
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O nascimento da obra…

Em 1816, Mary Shelley encontrava-se numa viagem pela Europa, de férias com Percy Shelley e Lord Byron. Numa noite de tempestade, Lord Byron lança o mote para uma competição amigável. Cada um deveria criar a melhor história terror.

Byron
Lord Byron, poeta Inglês, (22 January 1788 – 19 April 1824) (c) Newstead Abbey; Supplied by The Public Catalogue Foundation

Com dezoito anos de idade, Mary imagina esta ambígua relação entre cientista e criatura monstruosa, fruto da obsessão do Homem pela resolução do problema da mortalidade.

A época, pejada de inovações e revoluções, alimenta a curiosidade e fornece o material para uma história que conta, agora, mais de 200 anos em publicação.

“Não causa estranheza que, sendo filha de duas pessoas de distinta celebridade literária, eu haja desde muito cedo pensado em escrever. Quando criança, escrevinhava; e o meu passatempo favorito, durante as horas do recreio, era <escrever>…”

— Mary Shelley, no seu relato das origens da história em “Frankenstein”

Achei que, o filme ‘Mary Shelley‘ (2017), me possibilitou uma perspectiva mais exacta, das realidades do tempo em que Mary Wollstonecraft Godwin viveu, e de como certas escolhas afectaram a criação desta obra.

Mary Shelley Complete Works

Factos interessantes

Este livro é um Clássico da Literatura Inglesa, pioneiro na ficção Gótica e Ficção Científica. As imagens que são pintadas através de palavras, os sentimentos e as ambiências, todas se conjugam para contar esta história de horrores enegrecidos e exploração do inexplorado.

Mary Shelley, a autora, foi fruto de uma família atípica. Herda convicções radicais e, é exposta a ideias pouco convencionais, desde criança. Sua mãe, Mary Wollstonecraft, foi uma escritora e filósofa que cedo advogou os direitos femininos. Seu pai, William Godwin, jornalista, filósofo e novelista, defensor do ateísmo, anarquismo e da liberdade individual, também não era convencional nas suas ideias.

Mary Wollstonecraft
Mary Wollstonecraft (mãe)

Em 1816, casa com Percy Bysshe Shelley, o poeta, com quem já mantinha uma relação íntima antes dele enviuvar do seu primeiro matrimónio. O filme Mary Shelley‘ (2017), proporcionou-me uma visão sobre esta relação, assim como, sobre as realidades mais factuais e práticas da vida de Mary Shelley, como mulher, escritora, em luta constante com os papéis sociais vigentes e as ideias novas que se alastravam pela sociedade. Não sei quão, factualmente exacto será mas, suponho que seja uma perspectiva não muito distante da realidade.

Percy Bysshe Shelley
Percy Bysshe Shelley (4 August 1792 – 8 July 1822), considerado um dos maiores poetas românticos ingleses.

Os temas nesta obra são fruto da época, e transversais a todas as épocas, e à condição humana na sua essência. O que, penso que, tem sido um dos motivos para a obra se manter no domínio do interesse público e dos inúmeros leitores ao longo dos séculos.

O fascínio pela descoberta da electricidade, e pelas possibilidades que a Ciência, como área do conhecimento emergente representava, alimentam esta história. As notícias de descobertas científicas ganham tracção nas décadas que servem de palco a esta criação literária.

“As nossas almas são assim curiosamente feitas, e imponderáveis conduzem-nos ao êxito ou ao fracasso. Quando olho para trás, parece-me que esta mudança miraculosa de orientação foi a inspiração do meu anjo-da-guarda, o derradeiro esforço feito pelo instinto de conservação para evitar a tempestade já suspensa por cima da minha cabeça e prestes a esmagar-me.” — em ‘Frankenstein’

Esta história, ajuda a colocar em perspectiva os limites, e as consequências, da acção humana sobre a ordem natural da vida. O que seríamos capazes de fazer, se fosse dada a motivação certa?

O perigo dos resultados inesperados, do descontrolo ético, e da perseguição de desejos pessoais, sem considerações mais profundas: ser possível vs ser correcto. Estes são temas que, ainda hoje, têm uma relevância para a forma como procuramos racionalizar, e justificar, tudo aquilo que fazemos. Pode ser possível, mas é desejável? Devemos cruzar certos limites só porque podemos? Ou, devemos colocar em perspectiva aquilo que nos move como indivíduos, e equacionar o poder de fazer o Bem e a possibilidade de fazer o Mal.

“Ardo de entusiasmo porque não há nada que acalme tanto o espírito como uma resolução firme e um objectivo preciso, um ponto em que a alma pode fixar o seu olhar intelectual.” — em ‘Frankenstein’

Os sentimentos como força motriz da acção humana. Somos feitos de curiosidade e de sentimentos. São esses factores que impulsionam o melhor e o pior da humanidade.

Escrita aos 18 anos, a primeira edição desta obra foi publicada em 1818. Mary Shelly tinha, apenas, 21 anos de idade.

“Frankenstein” está em publicação há mais de 200 anos (207 em 2025), e vendeu milhões de cópias. Ainda hoje, é um livro de referência em certos círculos criativos e culturais (sendo o movimento de Dark Academia o mais recente).

Frankenstein 1ª edição
1ª edição de “Frankenstein”

Mary reescreveu a narrativa do “monstro”, e do medo que este instiga, e redefiniu os papéis de monstro e o de cientista louco, e ambos impulsionam esta narrativa. É de um impacto profundo a necessidade de conexão dos homens/seres nesta história. Necessidade que todos temos e que, raramente, sabemos gerir.

“Era muito diferente quando os mestres da ciência buscavam a imortalidade e o poder; tais pontos de vista, embora fúteis, eram elevados, mas agora a cena estava modificada. A ambição do investigador parecia limitar-se à aniquilação das visões em que o meu interesse pela ciência assentava primordialmente. Vi-me forçado a trocar quimeras de grandeza ilimitada por realidades de fraco valor.” — em ‘Frankenstein

Outros factos interessantes:

Os horrores da Ciência sem controle, sem ética, sem código deontológico, sem moralidade, colocam as questões maiores sobre a natureza humana. Ao longo da História, acompanhámos eventos que nos colocam dúvidas sobre qual a real ponderação racional do Ser Humano: experiências genéticas, criação de armas de destruição maciça, testes indiscriminados, acções danosas sobre as populações, entre outros.

A vingança, como a única forma de trazer compreensão para o que lhe foi feito, pelo seu criador, é um tema a considerar com atenção. Quanto de castigo pode/deve ser inflingido? E, um acto transgressor justifica outro?

As experiências em bioelectricidade, de Luigi Galvani, foram inspiração para partes da experiência de ressuscitar a experiência, integrando os temas da actualidade, à época, para alavancar uma história de forma quase verosímil.

Experiências de Luigi Galvani
Experiências de Luigi Galvani

 

Assim como, as ideias dos limites entre a vida e a morte, as limitações físicas humanas e os avanços na ciência e medicina, com a intenção de prolongar a existência humana.

Também o debate sobre qual é a natureza de um Ser. Somos formados pela assimilação daquilo que nos rodeia? Ou, trazemos connosco as bases da pessoa que iremos ser? E, o que poderíamos dizer de um monstro que é feito de partes de diversas pessoas?

A ideia de tabula rasa de John Locke, é reflectida neste texto, em que o monstro transforma-se com as experiências de rejeição, solidão, e o contacto com a noção de mortalidade, condenação, e de pecado.

Locke
Tábula rasa de John Locke

O conflito entre Emoção e Razão são constantes, em Frankenstein e no Monstro. Um exemplo da tensão que existia, na época, entre o Iluminismo e o Romanticismo.

“O aumentar do meu conhecimento só contribuiu para que me apercebesse do meu estatuto de pária. Tinha esperança, é verdade; mas ela desaparecia quando via a minha imagem reflectida na água, ou na minha sombra ao luar.” — em ‘Frankenstein

Assim:

Não é apenas a publicação de novas edições que se mantêm. Também as versões de Frankenstein para o cinema, livros derivados, peças de teatro e, mesmo um filme sobre a vida de Mary Shelley (mencionado anteriormente), que traz uma perspectiva mais histórica do que poderia ter sido a sua realidade mais imediata.

Não temos falta de elementos curiosos nesta obra, sobre a sua autora, ou nas ideias que elas potenciam. Vamos (re)ler?

Boas Leituras!

Obrigada e Até Breve!

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