Começo a escrever esta opinião uns segundos após terminar a leitura deste livro. Não pretendo terminá-la (e não o fiz) antes de reflectir um pouco mais sobre a mensagem destas páginas, mesmo que o tenha degustado devagar, relido inúmeras partes, e feito pausas para absorver algumas das ideias (e partilhado o máximo de citações na minha página de Facebook).
Este foi outro daqueles livros que não planeei ler mas que, por ironia do destino, acabei por escolher. E, se estão a pensar ‘típica leitura feminina”’, pensem de novo. A ideia de história lamechas, da qual não se aproximariam nem a dez metros de distância, só assusta os que têm ideias pré-concebidas, inabaláveis na sua essência por qualquer coisa que fuja ao costume.
Uma história verídica em que acompanhamos Elizabeth (Liz) na maior viagem da sua vida, real e metafísica. Um conjunto de circunstâncias internas e externas que se alinham, atirando-a para a depressão, e todos os seus esforços para compreender e aceitar que, independentemente das escolhas que fizera, tinha direito a procurar outro caminho.
Seríamos mais felizes se vivêssemos sem pensar nestas coisas? Depende. Para aqueles que não sentem a necessidade de crescer, de amadurecer, a resposta é ‘Sim. São mais felizes se evitarem estes campos minados.’ Para os outros que, de repente, se deparam com algo que não entendem, não conseguem explicar, nem abandonar, a resposta tem de ser ‘Não. A felicidade constrói-se e para isso é preciso pensar muito, por mais que nos doa, e fazer coisas que nunca nos passariam pela cabeça, em qualquer outra circunstância.’
E, vamos ser francos, não são apenas as mulheres que padecem destas coisas. Serão, muitas vezes, as que se propõem a resolvê-las.
Liz conta-nos, na primeira pessoa, todo o percurso desde que começou a contestar a sua realidade, aquilo que era suposto querer para si, quão feliz era suposto ser e o contentamento que não conseguia sentir. Pondo em causa tudo aquilo pelo que lutara na sua jovem vida adulta, decide sair de casa, dum casamento feliz, e da depressão que se instalara e partir em busca de si própria, numa viagem de auto-descoberta pessoal, de busca pela ligação ao divino, a si própria e ao mundo.
Este livro é, para nós leitores, uma experiência de sentidos. Itália com a sua gastronomia fenomenal, um calor humano explícito, a tradição histórica impregnada. (Até Veneza, que não agradou a Liz, nos convida a visitar.) Índia com a dedicação fervorosa à meditação e ao Yoga como modo de vida (num pequeno Ashram onde o ritmo de vida nos envolve e nos faz ansiar por algum desse tempo dedicado ao trabalho interno e externo). E, por fim, Indonésia onde a experiência de viver em Bali torna-se em algo aprazível e muito real (com todas as dicotomias sociais e a beleza de um verdadeiro paraíso na Terra).
Escrito com doses de humor inteligente, mesmo aquelas partes que poderiam tornar-se chatas, são contadas com a mestria de alguém que sabe rir de si próprio e que procura sempre tornar acessível ao leitor os meandros dos temas mais delicados.
‘Comer, Orar, Amar’ é a partilha dum caminho que começa em dor profunda, num sofrimento pessoal assustador, em algo que não deveria existir mas que se torna inegável, e que leva Liz através de um luto profundo, um enterrar do passado, e um renascimento como pessoa e como mulher.
Uma história com potencial para nos tocar profundamente, onde reconhecemos os nossos demónios e, em simultâneo, a esperança que nos acompanha. Ligeira excepção na parte mais religiosa da coisa, e mesmo aí, conseguimos relacionar-nos pela visão híbrida entre Ocidente e Oriente de Liz. ‘Comer, Orar, Amar’ é um livro apropriado para aqueles que se encontram em processos de metamorfose pessoal.
Escrito com a firmeza daquilo que é real, um espírito inquisitivo, e o esforço de compreensão tão isento quanto possível, é um testemunho de força e de coragem. Uma experiência humana de amadurecimento e ascensão pessoal, um vislumbre de vivências dolorosas e de esperança, um exemplo que serve de consolo mas, também, de alerta.
Para que não nos esqueçamos que nem tudo corre como planeado, que o plano e a dimensão da dor depende da mudança que estamos dispostos enfrentar, e que nada é definitivo nesta vida, excepto o facto de sermos obrigados a viver com as consequências das nossas escolhas.
E, assim, acrescento mais uma obra marcante (e apropriada) à lista de leituras de 2013. Aconselho, caso estejam a ponderar sair de algum casulo.
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4 comentários em “Opinião: ‘Comer, Orar, Amar’ de Elizabeth Gilbert”