Recursos do Escritor: Pontuação nos diálogos

16509_531007310277625_918942802_nComo usar a pontuação nos diálogos? Ora, depois de algumas trocas de opiniões (chegando ao ponto de em três revisões, três opiniões diferentes), achei melhor consolidar conhecimentos e ir à procura da regra… para poder vir a quebrá-la como deve ser, claro!

O discurso directo consiste na reprodução literal dos diálogos entre as personagens. O diálogo é uma das 7 técnicas narrativas  que o escritor usa para escrever uma história (em conjunto com a Acção, o Monólogo Interior, a Emoção Interior, a Descrição, a Anacronia e o Sumário Narrativo). O seu uso implica interromper a narrativa, cedendo literalmente a palavra às personagens que a compõem.

Os diálogos são separados do decorrer da narrativa pelo travessão ou por aspas. Sendo as aspas cada vez menos utilizadas na escrita em Português (em oposição à anglófona).

Quanto às regras da pontuação a utilizar, à excepção das regras da pontuação normais (como maiúsculas a seguir a ponto final, vírgulas ao listar elementos distintos, ponto de interrogação se a frase for interrogativa…), não existe uma regra absoluta. A pontuação nos diálogos é estilo narrativo do escritor que, desde que obedeça às convenções da pontuação dita normal, pode ser usada sem conotação “certa ou errada”.

Existem alguns casos em que a pontuação é esquecida quase por completo, ou alterada em função dos caprichos criativos do escritor, como é o caso de Bukowski (num exemplo norte-americano), José Saramago e António Lobo Antunes.

Claro que estes exemplos são casos muito especiais, e os escritores pouco experientes devem evitar essas liberdades criativas. Mas, como se diz em Direito: alegar desconhecimento da lei não nos exonera de responsabilidades… ou algo parecido. Por isso há que procurar saber a norma. E claro que este novo acordo ortográfico e a evolução natural da língua, em muitos casos, não ajudam à veracidade das nossas convicções.

Assim, alguns pontos a reter sobre a pontuação dos diálogos em ficção:

  •  Travessões no início e a delimitar diálogos (articulando discurso directo e indirecto):

– Isso é uma boa lógica – disse ele – até onde chega. Mas como é que você justifica, ou pode justificar, o não estar ali?

Em “Drácula” de Bram Stoker

  •   Aspas como delimitação dos diálogos:

“É uma conversa muito longa para se ter enquanto se está embrulhado numa toalha… Podemos falar sobre isto ao pequeno-almoço?”

Em “Percepção” de Sara Farinha

  •  Dois pontos como introdução ao diálogo:

João olhou pela janela e murmurou:

– Vai chover…

  •   Letra maiúscula a seguir a um ponto final:

– Talvez algum dos empregados da agência funerária o roubasse. – Senti que estava a dizer loucuras, e no entanto era a única causa real que eu podia sugerir.

Em “Drácula” de Bram Stoker

  •  Letra minúscula se não existir um ponto final:

– Talvez um ladrão de cadáveres – sugeri.

Em “Drácula” de Bram Stoker

  •  Letra minúscula a seguir a uma exclamação ou interrogação:

– Nada disso! – disse Van Helsing, levantando a mão.

Em “Drácula” de Bram Stoker

  •  Uma linha para cada fala de personagem (não confundir o leitor colando os diálogos de duas personagens na mesma linha):

– Nada disso! – disse Van Helsing, levantando a mão.

– Mas porquê? – perguntei.

Em “Drácula” de Bram Stoker

Concordo com umas, discordo de outras (e que raio de coisa é aquela em que a regra geral das maiúsculas, a seguir a exclamação ou interrogação, não se aplicar à escrita ficcional? Discordo em absoluto!). Mas não podemos justificar tudo com estilo.

Por isso, aqui ficam alguns exemplos que espero que vos sejam úteis. Quanto a mim, já aprendi mais umas coisitas…

ΦΦ

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21 comentários em “Recursos do Escritor: Pontuação nos diálogos”

  1. Travessões. Sinais ditos de inteligentes e que funcionam como os parênteses — não colocar sinais de pontuação antes mas depois dos travessões. Por isso sempre achei que não faz sentido que tenhamos adaptado esses sinais como marcadores dos diálogos, já era de esperar que muitos resolvessem não terminar os diálogos com pontuação caso seguissem depois com a narração, “é mesmo assim com os travessões” (mas não sabem explicar porque com os pontos de exclamação e de interrogação “quebram a regra”). Não vêem que são meros marcadores de diálogo…
    Eu agora aceito as diferentes formas de iniciar o diálogo, não há regra, mas o problema seria resolvido com as aspas (mas talvez levantaria outros problemas como a ironia e citação).
    A minha maneira é: terminar as frases sempre com pontuação (excepto se insiro narração mesmo a meio do diálogo, só porque sim). E marcar sempre numa nova linha o diálogo de outra personagem.

    É uma boa questão esta, também andei a pensar nisto…

    1. Sinais de pontuação após os travessões (entre discurso directo e indirecto) só vi vírgulas… E achei que nem merecia o comentário. Aí, desculpem-me os defensores desta “regra”, mas vou para a da pontuação normal. O problema das aspas é que parece que estão demasiado associadas à literatura anglófona… Engraçado é que nada parece ter mudado com os anos, como comprovei com as citações que retirei do ‘Drácula’ (versão portuguesa de 1992). Pessoalmente, incomoda-me usar minúsculas a seguir a exclamação ou interrogação… e dois pontos e ponto e vírgula, também não sou fã, mas suponho que aí escolhemos se queremos usar ou não, enquanto que no primeiro caso, passa mesmo por defender a honra até ao fim 😀

  2. Digam lá o que for. Nunca vi nada tão fluido e perfeito (sim, pra mim isso é perfeito) como José Saramago e seus dialogos.
    Sou completamente fascinado por esse senhor e tenho esse como meu maior modelo e inspiração para escrever.
    Não há regras para diálogos, sejam eles escritos, descritos ou apenas ditos.
    E se há, os que quebram, a comprovam com imensa maestria. Excelente artigo.

  3. Passei o dia lendo sobre o assunto.
    Seu artigo foi o melhor de todos, muito obrigado.

    Me surgiu uma dúvida.
    Posso usar travessões e dois pontos no mesmo parágrafo?
    Posso usar dois pontos e aspas juntos no mesmo parágrafo?

    Obrigado! Até mais.

    1. Obrigada, Anísio pelo comentário. Quanto às suas questões, depende do texto. Em ficção, não sou grande fã do uso dos dois pontos, mas isto é uma escolha pessoal. Em resposta, a ambas as questões, as regras gramaticais não apontam qualquer impedimento para o uso em conjunto da pontuação indicada.

      Obrigada, mais uma vez, pelo comentário.

    1. Bom dia Raquel, apesar de haver bastante literatura sobre a arte da escrita, livros esses que também falam da construção frásica e de pontuação em construção de diálogos e afins, o melhor livro que posso sugerir sobre pontuação é a Gramática. É preciso saber as regras e, nada melhor, do que o manual escolar de regras gramaticais. Saber as regras para poder usá-las e quebrá-las quando for caso disso.

  4. Olá, Sara. Sou revisora há quase 1 ano e graduanda em Letras, mas há ainda uma dúvida que me martiriza em relação aos verbos de dizer que ninguém sanou completamente.

    Nas frases a seguir, quais estão corretas ou erradas:

    — Eu vou para casa cedo — disse a mocinha de cabelos pretos.

    — Eu vou para casa cedo — a mocinha de cabelos pretos disse.

    — Eu vou para casa cedo. — A mocinha de cabelos pretos disse.

    A minha dúvida é se o dicendi tem poder, vamos dizer assim, para mudar a maneira como pontuamos o diálogo mesmo ele estando no final da frase. Alguns colegas revisores dizem que sim, alguns que não, enquanto que alguns professores também dizem que sim e outros insistem que não, e eu sigo com essa dúvida, moldando meus textos e revisores para tentar não errar, mas sempre esbarrando em alguma frase que me traz esse questionamento para a superfície novamente. Afinal, o dicendi só tem poder sobre a pontuação do diálogo quando está sendo a primeira ou segunda palavra após a fala do personagem, ou independente de onde ele, dicendi, está?

    1. Olá, Grasiela. Há sempre debate sobre a questão mas, para mim, resume-se ao estilo de escrita. Sabemos que a composição frásica é feita de partes (análise sintática), mas em escrita ficcional tudo depende do estilo do autor. Ao rever um texto torna-se complicado respeitar certas escolhas criativas porque nos parecem “erradas”. E, na perspectiva da construção frásica, em termos meramente linguísticos, podem não estar escritas correctamente. No fim e, quando faço revisão de texto, procuro distinguir o que pode ser erro de construção frásica daquilo que é mera escolha criativa ou estilo. Nunca, ninguém irá conseguir sanar essa dúvida com toda a certeza porque muito do que fazemos depende do nosso estilo pessoal de escrita, sobretudo se estamos a rever o trabalho de outrém e este entra em choque com aquilo que acreditamos ser a melhor forma de construir uma frase.

      No exemplo que indicaste, para mim, a primeira opção seria a que me pareceria mais coerente. E, na última opção, o ponto final não parece fazer sentido, pois a “explicação” deriva da afirmação anterior e o ponto final quebrava a continuidade. Acredito que o dicendi influencia a pontuação independentemente do sítio onde está, porque pode quebrar a fluência do texto (como faz na terceira opção). Mas, aqui, a palavra operacional é “acredito”…

      Em resumo, pode haver muito debate teórico sobre a questão e, é importante para se definirem regras e formas de estabelecer uma base de conhecimento formal mas, no fim resume-se às nossas escolhas pessoais enquanto estamos a produzir/rever um texto. Para mim, como escritora, o importante é definir uma regra com a qual nos sintamos bem e usarmo-la. Como revisora, o importante é perceber se a opção é baseada em estilo pessoal ou desconhecimento das regras gramaticais.

      Espero ter ajudado e boa sorte com a tua demanda linguística 🙂

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