Opinião: ‘Efeito Borboleta e Outras Histórias’ de José Mário Silva

Andava aqui a matutar sobre este livro, um conjunto de diversos textos curtos doefeito borboleta e outras histórias autor, quando me ocorreu que é notável (e, com notável, quero dizer digno de atenção) que a escrita jornalística deixa as suas raízes sob os trabalhos dos que ganham a vida com esse género de escrita.

A escrita jornalística tem um conjunto de regras. Questões que precisam ser respondidas de certa forma e com determinado estilo. Jornalistas podem apelidar-se Escritores mas, pensando bem, também podem designar-se Investigadores, Fotógrafos, ou outra coisa qualquer, consoante aquilo que desempenhem (e acumulem) para a grande máquina jornalístico-publicitária.

A escrita ficcional tem outro conjunto de regras. Tem vários géneros, cada qual, com as suas especificidades. Escritores misturam, ou podem misturar, diferentes tipos mas, nunca resvalam inadvertidamente para o estilo jornalístico. Este é intrinsecamente diferente do literário.

Na passagem de jornalista para escritor ficcional existem alguns casos de sucesso Alguns com grande projecção, o que se explica tanto pela carreira prévia nos meios de comunicação, como pelo talento de contadores de histórias exibido.

Mas, e foi isto que sempre notei, um jornalista que escreve ficção nunca larga as amarras aos seus modos factuais. Tal como um poeta que escreve prosa é empurrado, por características pessoais, para a prosa poética também um jornalista é, decerto, guiado pelas suas sensibilidades mais práticas. O que, não sendo necessariamente mau, é… diferente. Um estilo em si mesmo.

Quanto a ‘Efeito Borboleta e Outras Histórias’, de José Mário Silva…

…diz a Nota Final que todos estes textos, nanocontos, microcontos e minicontos, foram publicados noutras plataformas primeiro (jornais, revistas, antologias e blogues). A maior parte deles, no suplemento «DNa» do Diário de Notícias, commotes dados por poemas de diversos autores famosos, acompanhados de fotografias de José Miguel Soares.

Fotografia de José Miguel Soares
Fotografia de José Miguel Soares

Na maioria destes textos nota-se a influência jornalística e o destino de tais publicações. Mas, este é um conjunto de curtas histórias bastante curiosas e inesperadas.

‘Efeito Borboleta’ é, sem dúvida, o favorito. Usa o conceito que tanto tem sido falado e as suas possíveis consequências. E, literalmente, o homem pára para pensar nisso… Uma cena engenhosa, e caricata, em igual medida, que inicia este conjunto de histórias da melhor forma possível.

‘Cicatriz’ é também um jogo de transparências e ocultações, factos ou imaginação, que ilustra a vida marital nos seus enganos e torpores.

‘Atendedor de Chamadas’ deixa-nos a congeminar diversos possíveis desfechos, menos dramáticos, que o sugerido.

‘A Minha Vida’ é um conto curioso. Um vislumbre, em si mesmo, do próprio tema.

“Ficava ali muitas horas, curvado, com o mar infinito à frente, sem pensar em nada e depois a tarde fechava-se e eu devolvia os peixes ao seu mundo de água e escuridão. Ficava ali muitas horas, feliz, porque não esperava nada do mundo e o mundo não esperava nada de mim…” Em ‘Pesca à Linha’ de José Mário Silva

Alguns textos terminam em volte-face, outros em aberto, permitindo ao leitor dar largas à sua imaginação. Todos usam diferentes sentimentos. Falam de saudade, raiva, desprezo, amor, prenúncios, morte, e muito mais. Outros são curtos realces de verdades intemporais e escolhas humanas. Um conjunto muito interessante de textos que brincam com as incertezas e consequências da vida.

E, se posso dizer que alguns deles poderiam não ter sido exactamente assim, de um modo geral, é um conjunto de textos bastante interessante e actual.

A parte que menos me agrada são as nítidas interferências jornalísticas, ou melhor, a rápida identificação de conteúdo com a plataforma para o qual foi desenhado. Relembram-me o típico leitor de jornais para quem, este estilo que enche a página, triunfa em entreter o consumidor comum (aquele que lê o suplemento na diagonal, sentado na toalha de praia, porque também o pagou).

Como obra ficcional, José Mário Silva tem aqui qualquer coisa que me agrada… Talvez o princípio de algo que poderia ser transformado em incomum? Outros textos seus o dirão.

Bibliotecário de Babel

Encontram José Mário Silva na seguinte morada virtual: Bibliotecário de Babel

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