Durante muito tempo acreditei que não podia escrever nada que não fosse ficção longa para me poder considerar “escritora” [incluir uma gargalhada aqui].
Depois de um período difícil, e intenso, na minha vida profissional oficial, dei comigo a escrever um livro de uma assentada só. Foi uma surpresa até para mim(!?!), mesmo considerando que andava a moer a ideia há vários anos.
Eu, que sempre gostei de ler e escrever, mas que nunca tinha considerado a ocupação de forma real e objectiva… se o tivesse feito, talvez tivesse optado por outros caminhos.
Eu, que sempre tinha visto a minha vida separada em duas: a Oficial e a Oficiosa. Aquela que tinha a profissão remunerada e a outra, que tinha um hobbie incómodo para os que me rodeavam, e que escrevia, apenas para mim e, por amor aos livros.
Nasce ‘Percepção’
Depois de escrever o primeiro rascunho desse livro, dediquei-me a estudar como podia escrever uma obra de ficção longa. Reli, revi, procurei usar os conhecimentos que reuni. Descobri uma paixão e uma motivação.
Depois desse episódio, comecei a debater-me com os vários formatos existentes, mantendo a crença de que uma escritora séria escreve livros de ficção longa e, preferencialmente, ficção literária… mas, ainda hoje, sinto que o barco da ficção literária formal parece ter zarpado sem mim (escassez de bilhetes para viagens em Primeira Classe?!).
Explorei ficção curta. Contos, mini-contos, micro-contos… continuei a escrever poesia, um género que desde a pré-adolescência, nunca me abandonou. Insisti na escrita de artigos para o blog, procurando o meu estilo e os temas que me são próximos como a escrita, a criatividade, e os livros…
Muitas vezes ouvi que, no blog, devia escrever coisas mais mainstream, que chamassem mais pessoas… acho que, também, perdi o barco do mainstream, assim como o barco do intelectualismo.
Há outras opções de escrita
Tenho-me cruzado com uma série de obras, e estudos sobre escritores e os seus trabalhos, muitos considerados clássicos de literatura, e reparei em algo muito interessante, pelo menos, interessante para mim, que foi:
Nem todos escrevem ficção literária e longa.
Ou seja, não são as obras que nascem dentro de caixinhas formatas de uma determinada forma que são as melhores, as mais lidas, ou as de maior alcance no tempo.
A obra de escritores tão notórios como Rainer Maria Rilke, Jane Austen, Virginia Woolf, ou quase todos… compõem-se de coisas tão singelas como Diários, Correspondência trocada, Artigos em Jornais, participações ocasionais em Revistas… incluindo, mesmo, prefácios a obras de outros autores.
Até anotações num canto de página, guardanapo ou pedaços de papéis soltos, pela mão de um escritor, é algo que contém um interesse muito para além do produto dos seus livros de ficção longa (relembro o baú de Fernando Pessoa).
Uma referência que uso, por exemplo, ao escolher livros infantis para a minha miúda, são livros traduzidos por Sophia de Mello Breyner Andresen. Para mim, a sua escolha em traduzir uma obra é uma recomendação de uma história, por mais esquisito que possa parecer. E, ainda não me desiludi com este critério de escolha.
Aquilo que escolhemos escrever, ou melhor, os géneros em que somos compelidos a escrever, fazem parte da nossa obra de uma forma mais natural do que o livro de ficção longa que tem de ter entre 60 000 e 80 000 palavras.
Acho que é por isso que retiro tanto prazer de um ‘Bird by Bird‘ ou de um ‘A Fé de um Escritor‘ ou de um ‘Letters to a Young Poet‘ ou de um ‘Quem disser o contrário é porque tem razão‘…
São livros que me mostram os vislumbres daquilo que os outros escritores pensam sobre assuntos que me interessam. Representam uma espreitadela nos bastidores das suas obras mais conhecidas.
O Valor de outros Escritos
Há mestria por trás de um slogan, um ensaio académico, um artigo, uma anotação, uma carta, uma entrada de um diário, um micro-conto, um conto, um artigo de opinião… um poema.
Há valor associado ao facto de ser uma manifestação solitária de uma arte que praticamos num acto de produção natural.
Há conteúdo e um vislumbre profundo da mente (e alma) de um escritor que coloca na página não apenas as suas imaginações direccionadas mas, também, os seus argumentos mais humanos e desregrados.
Consideremos estes factos quando a síndrome de impostor nos assolar, ou quando a síndrome do procrastinador nos assoberbar.
Identifiquei-me tanto com este post! Beijos.
Olá, Olinda! Ainda bem. Beijinhos 😉