As personagens são pessoas normais

Confirma-se. As personagens são pessoas normalíssimas, que vivem as suas vidas mais agitadas ou mais calmas, que têm um passado, um presente e um futuro, que nos tocam e modificam, se nos relacionarmos com elas.

Construir uma personagem é olhar para uma pessoa de carne e osso, dotada de aparência física, personalidade e “bagagem” emocional. E é ao fazermos dela uma pessoa normal que torna possível relacionarmo-nos com ela.

São as pessoas “normais” que fazem coisas extraordinárias. São os seus receios, gostos, tendências, ódios e propensões, que as definem. Sejam heróis ou vilões, todas elas merecem uma descrição justa e fiel ao indivíduo uno e indivisível que são. Um herói não representa uma classe ou categoriza um grupo de pessoas. Um herói é-o porque é quem é. Porque as suas opções e opiniões são as de uma pessoa “normal”.

Falamos em construir personagens, mas deveríamos falar em descrever pessoas. Alguém que é fiel a si mesmo no decorrer da história: um desportista é amante do exercício até ao fim da história; uma senhora idosa que vive presa no seu azedume, extravasando-o a cada oportunidade dada; um homem que coloca a carreira à frente de tudo, e mostra-o sem sentir qualquer remorso. E em simultâneo as pessoas mudam, assim como as personagens, porque crescem, aprendem, sofrem e criam novas estruturas mentais. A mudança é a base da vida real e literária.

Ao construirmos um personagem descrevemos o seu aspecto, identificamos a personalidade, percebemos quais os botões que a fazem mexer ou parar. Tal e qual como pessoas normais, os bonecos desta vida.

Joana, a protagonista de “Percepção” é alguém que tem uma história pessoal emocionalmente complicada, alguém cuja personalidade se definiu em torno de tudo aquilo que ela desejava ocultar dos outros e negar em si própria. Ela é uma pessoa normal, que se debate no dia-a-dia com todas as incapacidades e receios que possui. Joana não é diferente de todos nós, que lidamos com os nossos sucessos, falhanços, medos e bagagens emocionais.

Lidar diariamente com a rejeição familiar, com a desaprovação dos outros, com as idiossincrasias pessoais, a inadequação social ou a fuga de relacionamentos sérios, tudo isto e mais é a realidade de milhares (se não milhões) de pessoas. Aprender a conviver, é a auto-terapia do indivíduo. Pensar, reagir, fugir, são as reacções normais de pessoas normais. Assim são as personagens que, no fundo serão pessoas reais espalhadas por esse mundo fora.

As personagens são pessoas normais mas não são estereótipos. Ideias preconcebidas, julgamentos de valor e preconceitos não são bem-vindos neste processo. Uma pessoa carrega consigo essas ideias, mas nunca as devemos usar quando criamos um personagem. Se é feio é mau, se é negro é criminoso, se é mulher é nervosa, tudo isto são ideias pré-concebidas que não agradam a ninguém, nem sequer às pessoas que vivem nas nossas páginas.

Construir uma personagem é conhecer o próximo, tal como nos conhecemos a nós mesmos. Tarefa difícil, certo?

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