Opinião: A Fé de um Escritor – Joyce Carol Oates

“Escrever é a mais solitária das artes. O próprio acto de nos afastarmos do mundo a fim de criar um contramundo “fictício” – “metafórico” – revela-se de tal maneira curioso que escapa à nossa compreensão. Porque escrevemos? Porque lemos?…”

Assim começa a viagem pela Fé de um Escritor, um conjunto de ensaios com que Joyce nos incita a tentar conjugar todas as peças do “eu” e do “eu-escritor”.

“Acredito que a arte é a expressão mais elevada do espírito humano… esforçamo-nos por criar arte capaz de falar ao coração dos outros que nada sabem a nosso respeito…” é o início duma viagem por memórias de infância de Joyce, pelos seus mundos imaginários, pela realidade intemporal das suas experiências pessoais e das suas leituras.

Sei o que levo deste livro. E não são técnicas de escrita, actividades aconselhadas ou incentivos à persistência. Levo comigo o reconhecimento dos demónios que me atormentam, aprendendo a encará-los como parte natural do meu crescimento como escritora. Reconheço os processos e a consciência do escritor como um ser autónomo, apesar de estar contido nesta mesma consciência de mim mesma.

Reconheço processos mentais, culpas auto-atribuídas, comportamentos e receios vulgares que acometem todos aqueles que se predispõem a criar algo. Atribuo causas e consequências às acções e enquadro o que considero como perda numa construção constante de algo mais importante.

“A luta com o teu “eu” escondido, ou “eus”, favorece a tua arte; essas emoções funcionam como o combustível que alimenta a escrita e torna possível horas, dias, semanas, meses e anos do que aos outros, à distância, terá o aspecto de “obra feita”.

Oates faz-nos desejar ler mais, apreciar os clássicos sob o olhar crítico daquele que aprende. Ela leva-nos numa viagem de histórias imortais, envolve-nos num conhecimento profundo da vida e obra de vários autores, contextualizando os vários capítulos de forma simples e inequívoca.

“Para o escritor de ficção, ler é uma experiência dramática. Muitas vezes tensa, estimulante, perturbadora, imprevisível. Porquê este título?… Porquê esta cena de abertura, este primeiro parágrafo? (…) Porque enquanto escritores e companheiros de ofício, sabemos que não estamos apenas a ler palavras (…) nenhuma história se escreve sozinha.”

Os pensamentos, escritos, vícios e hábitos dos outros fazem-nos pensar na nossa própria capacidade e inclinação para a autocomiseração. São eles que nos impelem a procurar um novo entendimento dos escritores que somos.

“A autocrítica, tal como uma operação ao cérebro feita pelo próprio, pode não ser uma boa ideia. Até que ponto o “eu” consegue ver o “eu” com alguma objectividade?”

“A Fé de um Escritor” termina com uma entrevista de Joyce sobre “Blonde”, o seu romance ficcional sobre a vida de Marilyn Monroe. E também neste texto muito há para encaixar e digerir.

“Acho que nunca acreditei que merecia viver. Da maneira como acreditam as outras pessoas. Precisava de estar sempre a justificar a minha vida.” Estas são as palavras (inventadas) de Norma Jeane que eu afixei na parede, ao lado da minha secretária de trabalho. Quantos de nós, gostaria eu de saber, não sentem exactamente a mesma coisa!”

Uma viagem pelos textos e mente de Joyce Carol Oates. Incluam-na no vosso itinerário literário.

“Mas enquanto a escrita existe, os escritores não – como todos os escritores bem sabem.”

“A Fé de um Escritor”, Joyce Carol Oates, Casa das Letras, ISBN 978-972-46-1817-3

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