Recursos do Escritor: Usar ou abusar das Referências (Literárias)

“E o que é isto de referências literárias? São as melhores obras de arte literária que jamais alguém conseguiu escrever, desde os clássicos gregos à actualidade, na sua old booksmagnânima intemporalidade.” Miguel Portugal  ‘Literatura Fantástica e perda de referências literárias’

O que são referências literárias?

São menções (ou alusões) a outras obras, autores, ideias, que inserimos no nosso texto com o intuito de o tornar mais apelativo para o leitor. São aqueles pedacinhos de informação que complementam a nossa história, que ilustram um momento e que associamos um autor ou produção literária externa ao nosso texto.

A inspiração que procuramos ao escrever algo, seja um conto, um romance, um poema, um artigo, reside na quantidade e qualidade da informação que recolhemos no nosso dia-a-dia. É o uso inteligente dessa informação que contribui para melhorar o texto. Existem vários tipos de referências usadas em literatura, para além das literárias, como música, cinema, teatro, pintura…

Para que servem as referências?

As referências elevam a obra a outro status, aumentam o leque de conhecimentos de quem escreve e de quem lê, embelezam e enriquecem um texto. E, de um modo geral, contribuem para aquela máxima de “escrever sobre o que se sabe” pois usá-las implica conhecer esses pedaços de informação, compreendê-los na sua plenitude e aplicá-los de forma inteligente.

Porque devemos usá-las nos nossos escritos?old books 2

Escrever usando algumas referências, sempre adequadas ao espírito do texto e ao contexto da obra, ajuda-nos a imbuí-lo de significância. Favorece também a comunicação desse significado ao leitor o que só pode ser feito quando respeitamos as pessoas que lêem os nossos textos.

Como escritores aprendemos a prestar atenção e a comunicar a nossa história, a esforçar-nos para passar a mensagem, a compreender e demonstrar esses significados através das personagens e dos seus actos e pensamentos.

A significância, de momentos, actos ou objectos, é aquilo que o leitor retira da obra. Essa é a mensagem com que ele se identifica. Ao criar uma história devemos proporcionar-lhe uma experiência emocional real, com a possibilidade do cativar e de expandir os seus conhecimentos. Tarefa que se torna mais fácil se dispomos da bagagem cultural que nos permita escrever sobre um assunto e acrescentar algo mais.

O que fazer quando essas referências não são assimiladas pelo leitor?

Quando as referências usadas não são as acertadas, ou não elevam o potencial inicial da história, arriscamos que sejam ignoradas e mesmo desvalorizadas.

Quando elas não cumprem os seus objectivos devemos analisá-las e tentar perceber se estamos a usá-las da melhor forma, se o público-alvo tem algum conhecimento daquele tema (ou se identificámos correctamente o público-alvo), se corremos o risco de entrar na categoria do cliché ou se a história supera essa relação.

Mas, se mesmo depois de tudo ter sido polido até à exaustão, o texto ainda não for bem recebido não devemos desistir. Afinal quantos daqueles Clássicos de hoje foram desvalorizados pelos seus contemporâneos?

Quais as referências mais frequentes?

Livros, música, cinema, teatro, pintura são usados com frequência. Algumas são directas e aparecem-nos como ligação clara à obra em questão. Outras são subtis e imbuem-se no texto sob a forma de símbolos ou metáforas entregues num momento fulcral.

Algumas das referências literárias mais comuns prendem-se com textos religiosos (Bíblia, sidartaapócrifos, Torá, Alcorão…), outras com textos de várias civilizações (Ilíada, Rei Édipo, Arte da Guerra, Analectos, A Divina Comédia, Hamlet, Elogio da Loucura, Sidarta, O pequeno príncipe, Os Miseráveis, Os três mosqueteiros, Crime e Castigo, Guerra e Paz, Ulisses, 1984, O Velho e o Mar…), obras designadas por Clássicas com ampla difusão pública.

As referências ajudam-nos a optimizar a história, aperfeiçoam-na e têm o poder da transformar numa construção bela e inteligente.

Alguns exemplos de referências literárias:

“Pobres-diabos sempre com fome – ou com fome de almoço, ou com fome de celebridade, ou com fome das sobremesas da vida. Quem os ouve, e não os conhece, julga estar escutando os mestres de Napoleão e os instrutores de Shakespeare.” ‘Livro do Desassossego’ (Bernardo Soares) Fernando Pessoa

“In the Deep South, women learn at a young age that when the Faefeverworld is falling apart around you, it’s time to take down the drapes and make a new dress.” In ‘Faefever’ by Karen Marie Moning

 “Não se preocupe, porque tenho aqui nada mais, nada menos, que A Ilha Misteriosa de Júlio Verne, relato de alta aventura e grande conteúdo educativo, devido aos avanços tecnológicos.” ‘A Sombra do Vento’ de Carlos Ruiz Zafón

“As tuas paixões “proibidas” podem revelar-se, quem sabe, o A fé de um escritorcombustível que alimenta a tua escrita. Tal como aconteceu com o nosso grande dramaturgo Eugene O’Neill, que lutou toda a sua vida contra o pai, que lhe morrera muito antes; como o nosso grande estilista da prosa americana Ernest Hemingway, debatendo-se ao longo da existência contra a sua mãe; como Sylvia Plath e Anne Sexton, lutando ambas até ao fim com o sedutor Anjo da Morte que as procurava aliciar para o êxtase e o arrebatamento do suicídio.” ‘A Fé De Um Escritor’ de Joyce Carol Oates

“Nem tudo o que luz é ouro, / Nem todos os caminhantes estão perdidos; / O velho que é forte não mirra / E a geada não chega às raízes fundas. / Das cinzas pode reacender-se o lume, / Das sombras pode irromper uma luz; / Renovada será a lâmina quebrada: / O destronado será de novo rei.” ‘O Senhor dos Anéis – A Irmandade do Anel” de JRR Tolkien

Dois artigos engraçados que encontrei na Internet. O primeiro intitula-se ’11 referências literárias que as pessoas usam sem se aperceberem’ o segundo é uma página da wiki chamada Lostpédia e, como o nome indica, são as referências literárias da série televisiva ‘Lost’.

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