Sobre “1984” de George Orwell

1984Este texto não é uma opinião a “1984”, e se não é uma opinião não será uma crítica de certeza (duas coisas distintas, na minha opinião). Assim, e mesmo incapaz de o categorizar, partilho-o aqui… E que se lixem os poderes instituídos (algo que fica tão bem no tema desta obra!)

E se pudéssemos recriar o Homem como um ser sem sentimentos? Um verdadeiro peão, um número na estrutura social. Um ser que existe sem consciência de si próprio, devoto a uma doutrina comum a todos, ignorante do passado, odioso do presente e morto para o futuro.

E se fosse possível aniquilar o espírito humano? Limpar a capacidade de pensar por si próprio, eliminar os desejos pessoais, esmagar as compulsões físicas. Teríamos uma sociedade de mortos. Mortos que não sabem que o são, formigas obreiras que obedecem a uma vontade colectiva, seres sem compaixão ou amor ao próximo (ou próprio).

E se, no fim, o Homem desejasse essa morte para a sua consciência? Entregar ao outro o poder sobre tudo, até sobre o que se ama ou odeia. Se a morte da consciência do indivíduo significasse o alívio dos seus problemas mesquinhos em prol da preocupação com os problemas colectivos. Ou melhor, em prol da preocupação com problemas inventados por outros que estão fora do alcance, controle e entendimento do indivíduo.

Uma visão sobre várias correntes de poder que percorreram o mundo no início do século XX, e a possibilidade de emergência de um novo e aperfeiçoado sistema de poder, “1984” é uma viagem pela mente humana. Sobre o que estamos dispostos a fazer por nós mesmos, e pela sociedade, sobre o que consentimos, racionalizando um qualquer motivo, e sobre aquilo em que nos tornamos ao fazê-lo.

Quanto de sofrimento seria necessário para algo conseguir romper a cortina de nevoeiro que o poder instala à volta do Homem? E se, de alguma forma, achamos que estamos imunes, livres ou individualmente definidos, convido-vos a pensar de novo.

“1984”, estranhamente aplicável a qualquer época histórica, dolorosamente real em algumas das suas premissas, verdadeiro em milhares de pequenas realidades diárias.

Pessoalmente acredito que, a nossa sorte, é que nunca mais do que dois seres conseguem concordar absolutamente sobre tudo e, portanto, nunca será possível a aglutinação perfeita de todos os seres sobre uma só mentalidade. Se dois não se entendem, como um conjunto de pessoas poderia subjugar, de forma tão completa, todos os outros. Afinal, a História tem provado que, por mais feroz que seja a organização sobre uma mesma égide de poder (e a “limpeza” que daí advém), esses sistemas acabam por ruir e ser desmantelados.

O outro motivo que, acredito, nos impede de cair por completo neste estado letárgico é uma espécie de atenção selectiva. A esmagadora maioria dos homens não é, por incapacidade física, moral ou prática, capaz de abarcar tudo o que o rodeia, tornando impossível o tipo de concretização prática que o exercício do poder absoluto requer. Todas as grandes mentes apresentam falhas e algumas delas acabam por ser o motivo da desgraça dos mais megalómanos planos. As nossas contradições individuais não permitem que reinemos em absoluto sobre o outro, nem que deixemos que ele o faça sobre nós.

Mas isto não é impedimento para continuarmos a organizar-nos atrás das grandes estruturas sociais, dos governos, das empresas, dos aglomerados de gente que compõem cada um dos membros deste enorme corpo social. E, aqui, controla-se o indivíduo como se pode, com subtileza, desinformação, sobre-informação, preconceitos, pressão… Domina-se o outro pelo básico e essencial, retirando ou fornecendo tudo o que o indivíduo necessita para sobreviver. Alimentando a sua atenção selectiva com crenças e preconceitos, com entretenimento e inconsciência.

Muitas vezes se disse que “1984” não poderia ser mais actual. Têm razão. Mas, tal como na história, a própria oposição, a única manifestação física real de uma teoria divergente, fora criada pelo próprio sistema… algo em que pensar.

Somos um produto daquilo que nos rodeia e da nossa própria consciência. Chegará o dia em que abdicaremos, completamente, dessa consciência para fugir duma existência feita de escolhas difíceis? Desconfio que, para alguns, esse dia já chegou, enquanto os outros continuam a fazer o que podem com o que têm, e a exultar a escolha mesmo se influenciados pelos dogmas dominantes, aos quais é impossível fugir.

Como todos os livros, retiramos dele aquilo que somos e em que pensamos ou acreditamos. “1984” é um exemplo do que poderia ser e que, de certa forma, é. Lê quem quer, compreende quem tem vontade e aborrece-se quem não se importa.

Com quase três páginas de citações retiradas, é impossível isolar as mais representativas desta obra, deixo-vos apenas uma que me agradou em particular…

“Nothing was your own except the few cubic centimeters inside your skull.” George Orwell “1984”

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12 comentários em “Sobre “1984” de George Orwell”

  1. Apesar da indiferença com que até agora tem acusado, quer o convite para o lançamento do meu livro, quer o agradecimento que fiz, reconhecendo o valioso trabalho no seu blog, a admiração que sinto por ele e pela autora do mesmo, em nada se alterou. Aceito por mim, o autor, lamento pelo meu trabalho que gostaria muito que conhecesse. Talvez o estigma da falsa editora, talvez eu, talvez o mundo, …
    O desejo de Um Feliz Natal, e um maravilhoso e repleto de sucessos 2019, é sincero. Bem Haja
    V.D.

    1. Boa noite Vicente. Infelizmente, não sei do que fala. De qualquer das formas desejo-lhe os melhores sucessos para o seu livro e para os seus escritos. Agradeço as suas palavras e desejo-lhe um 2019 muito feliz e próspero.
      Cumprimentos.

  2. Boa tarde, cordial abraço e bem haja.
    Sou autor e defendo que o respeito pela palavra escrita obriga á sinceridade no seu uso, mais ainda quando dela se fala ou sobre ela se opina. Deste modo, resulta a admiração no seu trabalho e como tal, sem segunda intenção ou presunção alguma, gostaria de lhe oferecer um livro, na simples esperança de que mereça lugar na sua estante. Como posso faze-lo, caso tal honra me conceda?Obrigado

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