Palavras Soltas: Escreve com o coração

1535725_804095776272789_1931802219_nNenhuma história vale a pena ser contada se não o fizermos com amor. Amor à arte, a nós mesmos, aos outros. Para mim, as duas ideias a reter quando andamos à procura de uma história nova para contar são:

  •  ir para além do óbvio
  •  usar os sentimentos ou contar a história com amor

Nem todas as histórias são boas histórias para serem partilhadas. Há histórias que são boas, mas não atraem audiência. Há histórias que não serão tão boas e no entanto usufruem de um público invejável.

O que realmente importa? Ter público? Contar uma história? Ou contar uma boa história?

O que importa é contar a nossa história. Ir para além do óbvio implica trabalharmos as histórias para que significância temática, dimensão das personagens, enredos e sub-enredos se revelem para lá do que é expectável. É transformar a história no melhor que ela pode ser.

Mas, mesmo depois de a transformarmos no melhor que ela pode ser, uma história pode ter audiência ou não. E aqui, entra a segunda premissa: contar a história com amor.

Nenhuma história, seja qual for o seu formato, vale a pena ser contada se não a imbuirmos daquilo que somos. Das nossas lutas, dos nossos sentimentos, das idiossincrasias que nos definem como pessoas. O impacto da história no mundo será tão grande quanto o impacto da história sobre o autor. Partilhar algo que é real (e com isto não quero dizer escrever memórias ou vivências pessoais), verdadeiro, tão específico ainda se lato, que permita que outros se identifiquem com aquilo que escrevemos.

Partilhar uma história é escrever com amor, com sentimentos. Amor, ódio, medo, paixão, lealdade… Se pusermos a nossa experiência do mundo numa história potenciamos que os nossos leitores se identifiquem com aquilo que escrevemos, que se tornem apreciadores do nosso trabalho, porque ele ecoa naquilo que eles próprios são.

A maior barreira a ultrapassar é conquistar o coração de quem nos lê. Se não usarmos o nosso coração, os nossos sentimentos e entendimento da realidade, como podemos chegar ao leitor?

É irrelevante se uma história se vai tornar intemporal. Mas, é absolutamente importante sermos capazes de comunicar com o nosso semelhante e fazer com que ele se identifique com a história. É partilhar o que somos com o outro e saber que, ele compreende o ponto de vista, concorde ou não.

A nossa história não precisa de ser a melhor. Precisa, sim, de ser contada com um grau de pureza arrancado do nosso próprio coração. Precisa ser contada através da pessoa que somos, não pelo autor que domina a técnica, mas pelo ser humano que deseja comunicar com franqueza.

Acho que é por isso que tantas histórias, tecnicamente tão menos elaboradas, têm sucesso. Livros como “Twilight”, “50 Sombras de Grey”, infindáveis séries românticas, de acção, ficção ou romântico/eróticas, chegaram a tantas pessoas. Elas reúnem um público transversal, de características tão distintas como poucas vezes se viu. Na minha opinião, isto acontece porque as histórias, se em falta com técnica, mestria ou mensagem literária, sobejam em emoção. Histórias genuínas que, debates filosóficos sobre méritos literários à parte, transcendem o público-alvo espalhando-se por outros universos de leitores.

As significâncias e as conexões que se formam são transversais a várias pessoas, dos dois sexos, de idades diferentes, com poder de escolha distinto, e é este facto que faz com que (temporariamente) levem a melhor sobre as grandes obras intemporais. Elas chegam a mais corações, a mais pessoas, a públicos diferentes.

É difícil prever que obras chegam a este patamar, quanto tempo ficarão por lá, quanto irão vender, quantas pessoas se vão identificar com a história, mas fica a certeza que algures, num determinado ponto no tempo, várias gerações identificaram-se com aquela história. A história chegou a vários, e diferentes, corações.

Talvez, também, porque os amadores ainda possuem aquela ingenuidade que lhes permite chegar mais depressa aos corações dos leitores. O azedume da profissionalização ainda não se imiscuiu nos seus esforços de se relacionarem com quem os lê. Poderá ser que toquem o coração dos leitores apenas com o seu próprio amor à arte, impossibilitados de desaparecerem atrás da enorme máquina que suporta e absorve os consagrados.

É extremamente difícil colocar o que sentimos numa página sabendo que esta será lida por outros. É difícil, aterrador e um acto de coragem, repetido todas as vezes que escrevemos algo num papel. Mais, se tivermos esse pensamento presente a cada linha, como costuma ser hábito.

Mas é a partilha dessa vulnerabilidade que nos permite chegar ao coração dos outros. Só assim podemos ter leitores que se identifiquem com os nossos escritos. Enfrentamos o medo da exposição pública para criarmos algo digno de chegar aos olhos e (se fizermos bem o nosso trabalho) ao coração das pessoas.

Porque não vale a pena criar nada sem amor, seja à arte, à técnica, à história, às personagens. Porque ao usarmos os nossos sentimentos temos a ínfima possibilidade de “tocar” o coração dos outros. Porque tudo o que criamos é para os outros, e nisto só se é bem-sucedido se formos genuínos, se nos revelarmos, e deixarmos que os outros se identifiquem connosco e com as nossas histórias.

Há que ir para além do óbvio nas nossas histórias e há que fazê-lo com genuína dedicação porque de palavras ocas está o mundo cheio e toda a treta que não sentimos e que imprimimos nos nossos escritos salta à vista e impede-nos de comunicar o que realmente sentimos e de encontrar no outro alguma medida de reconhecimento e compreensão.

Escreve com o coração (mas faz as revisões com a cabeça).

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