Palavras Soltas: Escolhas, Coragem e… menos, muito menos – Isabel Allende sobre viver apaixonadamente

'Vai aonde te leva o coração'
‘Vai aonde te leva o coração’

Em cada momento difícil enfrentamos uma escolha: arriscar ou desistir. Direita ou esquerda. Sim ou Não. Tudo é importante nessa escolha. As condições, os meios, os intervenientes. Quanto maior a decisão, e a dificuldade, mais importante se torna conhecermo-nos e o que queremos.

“What is truer than truth?” Isabel Allende

Seguir um dos caminhos, e abandonar o outro, é algo que nos habituamos a fazer todos os dias. E é com essa prática, baseada nas escolhas de relativa significância, peso ou consequência, do dia-a-dia que recaímos no familiar, no aprendido, no aceite. Mas, se falamos num ponto de viragem, dou por mim a recordar aquele final que tanto tem agarrado as pessoas por esse mundo.

“E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás-de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te, e vai para onde ele te levar.” Susanna Tamaro ‘Vai aonde te leva o coração’

Há cinco anos dei comigo sentada no sofá, no fim de mais um dia de Inferno (em todos os sentidos da palavra), e escolhi abrir um ficheiro de word e pôr em papel algo em que matutava há muito tempo (Percepção). De lá para cá muitas outras ideias me agarraram, e muitas outras páginas escrevi, mas nunca da mesma forma como esta primeira viagem nascida dos confins de alguém que precisa mudar a vida. Pelo menos até há uns tempos atrás.

Mentiria se dissesse que, ao longo destes anos, não contemplei abandonar a escrita. Aliás, acho que o faço todos os dias, mesmo antes de pegar em algo relacionado. Mas estas coisas são cíclicas e apenas a vontade de apontá-las num papel permanece. (Nas palavras da mãezinha, aquando da compra da minha primeira máquina de escrever “Tu, quando queres uma coisa, não desistes!”… e não era um elogio)

Ninguém sabe para o que nasce, apenas vamos andando e descobrindo prazer em determinadas coisas em detrimento de outras. Ninguém pode dizer que hoje será igual a amanhã. Que aquilo que hoje nos faz bem, amanhã não se transforma noutra coisa qualquer. Que afinal tanto do que supúnhamos ser uma coisa era, afinal, outra disfarçada. Engraçadas são aquelas que, apesar de tudo, não desaparecem.

“Only a fearless and determined heart will get the gold medal. It’s all about passion (…) heart is what drives us and determines our fate (…) nice people with common sense do not make interesting characters. They only make good former spouses.” Isabel Allende

Este vídeo fez-me pensar nisto tudo. Fala de escolhas, de paixões, de vidas e de Vida. Fala das mulheres, várias e de vivências distintas, num mundo que é e sempre será de homens. E afirmo isto com a certeza de quem foi educada por uma das pessoas mais inteligentes que conhece e que, mesmo ele, não é capaz de ver os preconceitos que o formam. Conto-vos uma pequena história, num daqueles meus momentos em que volto a perceber que só quando nos dói, a nós próprios como pessoas, é que conseguimos vislumbrar aquilo de que inadvertidamente fazemos parte.

Na estrada, um carro à nossa frente, não sinaliza a mudança de direcção e trava sem qualquer motivo aparente depois de se atravessar à nossa frente. Piorando, faz mais uma manobra ou duas de quem não sabe bem para onde vai, ou como lá chegar, e acaba por repetir a proeza na rotunda seguinte. O condutor era uma mulher. O meu pai bramia que os males do mundo eram as mulheres. Porque não sabíamos o que queríamos. Porque éramos complicadas, inseguras e estúpidas. E que o mundo ia de mal a pior com a crescente participação das mulheres na sociedade, e por aí fora… Presumo que tenham alguns (muitos) destes nas vossas vidas. Habituada ao tipo de discurso que, há pelo menos uma década, deixei de processar internamente (por motivos óbvios!) comecei pela abordagem normal “vamos mudar de tema”. Mas, como a idade já não permite a contenção de desabafos, ele lá continuou… irritada, acabei por lhe calçar os meus sapatos. A desvantagem de se ser homem, com duas filhas mulheres, é quando elas são feridas ele sofre a dobrar. Facto de que se esquece com aparente facilidade.

Afirmei, como já o fiz tantas vezes em tantas ocasiões diferentes, e não porque não goste de ser mulher, mas porque sei que o género é condição para sofrimento que a maioria dos homens não consegue contemplar (excepto os vislumbres que conseguem ter quando os rebentos são meninas), que também preferia ter nascido homem. Não tinha tido escolha. Era o que era e tinha de viver com isso. Incrível como dar-lhes razão os desarma. Não muda nada, eu sei. Mas sei que ele podia viver melhor sem a recordação… especialmente, quando acrescento algum daqueles pormenores tão vívidos de quem convive com homens diariamente.

E, de repente, ele fica perdido. As certezas passam a incertezas. O desejo que eu seja feliz, protegida, inteira, suplanta o preconceito de género. Ele conhece-me, conhece os meus defeitos… e pontos fracos… como os homens sempre parecem saber. Não sou menos por ser mulher. Falar contra mim seria falar contra ele mesmo e ele sabe-o.

Não partilho da opinião da Allende sobre as opiniões dos homens de mais idade, apesar de ser uma piada muito engraçada, mas esta TED Talk é algo que merece ser ouvido e partilhado. Não é apenas nos países menos desenvolvidos que a violência e exploração de mulheres e crianças acontece. É no mundo todo. Apenas se aperfeiçoou o método, mudaram-se as regras do jogo, exercem-se outros tipos de domínio e acorrenta-se os desfavorecidos de outras formas, com abusos mais criativos.

“What I fear most is power with impunity. I fear abuse of power and the power to abuse. In our species the alfa males define reality and enforce the rest of the pack to accept that reality and follow the rules. The rules change all the time but they always benefit from them.” Isabel Allende

Coragem é falar. É ajudar a mudar mentalidades mesmo em modo “um micro-choque de cada vez”. É não fingir saber-se aquilo que não se sabe. Num mundo em que poucos realmente escutam, e quando o fazem distorcem tudo a seu belo prazer, vozes como a de Isabel Allende são extremamente importantes.

“Let’s get up our fannies, roll-up our sleeves and get to work passionately in creating an almost perfect world.” Isabel Allende

So, let’s…

Isabel Allende: Tales of Passion

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