Enchemos o tempo de coisas. Coleccionamos peças, intangíveis ou sentimentos. Enchemos estantes reais e metafísicas de coisas que já não nos servem, excepto pelos resíduos que nos deixam. Pelas influências que tardam em partir. Cenas cuja energia não nos larga.
Enchemos o tempo de coisas e chamamos-lhe inspiração. Tiramos ilações. Regamos a vida delas. Enchemos prateleiras e salas de prateleiras de coisas que já não nos servem. De cenas que já nos serviram. De roupas velhas que já vestimos e que, mesmo estando em condições para andar em público, já não são quem nós somos. Já não nos fazem sentir apresentáveis quando temos de as usar.
Rodeamo-nos de coisas que não interessam. De cenas que ficavam tão melhores se esquecidas em definitivo. Construímos muros e juramos estar mais seguros aí… mais compostos… mais dignos. Erguemos muros e juramos que aprendemos a lição.
Aprendemos a erguer muros. Perdemos a esperança. Cercamo-nos de objectos e sentimentos que transformamos em betão, com o qual erguemos grandes paredes, seguras com a argamassa das decepções, equilibradas no sofrimento, atrás dos quais nos escondemos.
Bloqueamos toda a luz. Erguemo-nos, então, dentro dum buraco escuro onde já nem conseguimos vislumbrar o céu. E aí, onde rezamos para estar seguros, perguntamo-nos onde foram todos. Questionamo-nos para onde fugiu a luz. Quem a teria levado…
E só quando decidimos quebrar a primeira pedra… e a segunda… e toda a base daquele poço imenso de solidão é que percebemos que aquilo que nos continha nunca foi um muro, mas um bloqueio da nossa criação. Apenas quando deixamos de ter medo do escuro é que a luz pode passar. Porque se enchemos a vida de escuridão, de falta de esperança, não temos nada a que nos agarrar. Se insistimos naquilo que não nos eleva a mente, insistimos em parar de lutar.
Quem tem medo do escuro, nunca vê a beleza da luz a pairar. Insiste na bruma, na decepção, na degradação. Insiste, apenas, em respirar. Enche as prateleiras de coisas vãs. Enche o coração de receios. Enche a mente de enganos. Enche a vida de solidão.
E, a par da morte, a solidão é o nosso maior receio. Por isso, rodeamo-nos de trivialidades. Cercamo-nos de certezas absolutas. Cortamos com todos os que não são como nós. E não há ninguém como nós. Afastamo-nos. Ignoramos, de propósito, que fazemos todos parte do mesmo. Partimos para a irrelevância dos dias porque é mais fácil erguer muros do que construir pontes. É mais fácil encher prateleiras do que esvaziar o coração. É mais fácil mantê-los à distância do que permitir que nos magoem.
Enchemos as prateleiras de coisas, a mente de cenas, a vida de nadas. Enchemo-nos de banalidades, cortamos com significados, aniquilamos emoções. Enchemo-nos cada vez mais de coisas que são nadas… de vazios.
Que tenhamos a coragem de tirar cada pedra que nos esforçámos a empilhar e, em vez de nos emparedarmos vivos, que tenhamos a coragem de, com essas pedras, pavimentarmos o caminho.
Não sei o que dói mais. Erguer o muro ou derrubá-lo. Sei que gosto mais de caminhos empedrados…
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2 comentários em “Palavras Soltas: Coleccionadores de coisas”