Aqui, nesta cadeira em que me sento, somos sempre três a escrever: Eu, o Medo e a Coragem.
Acho que podemos chamar-lhe Resistência, como baptizado por Steven Pressfield. Ou, Perfeccionismo como cunhado por outros…
Há um constante blá, blá, blá quando tento fazer o meu trabalho. É tão constante que, na maioria das vezes, nem dou (activamente) por ele. Um blá, blá, blá que aumenta de volume se o que estou a criar tem algum impacto mais pessoal, se é um projecto importante, uma história mais delicada de contar, ou uma actividade de exposição pública.
Há uns tempos, descobri uma tentativa de explicação, por Eckhart Tolle, com o Ego a tomar uma proeminência sobre o assunto. Uma perspectiva que me abriu a porta para outras ideias sobre como resolver o assunto (como a meditação).
Porque, para mim, ESTE era um problema a resolver.
Agora, acredito que seja algo que não tem resolução. Não daquela forma de acabar com o blá, blá, blá de vez.
Olhando para trás, e para os artigos neste blog, vejo sempre os três ocupantes desta mesma cadeira: Eu, o Medo e a Coragem.
Depois de largos anos a estudar, e a partilhar convosco, os pedaços de ciência por trás da arte da escrita, dei comigo a evoluir para outras formas de expôr os temas que acredito serem importantes na nossa realidade diária. Porque Ser Escritor é importante, é uma realidade, e é diária… por muitas dores que isso nos traga.
De certa forma, foi o Medo a comandar o início da viagem quando optei por expôr, aos invés de comentar, as regras disto ou os princípios daquilo. Era mais fácil esconder o que sentia por não saber atrás de uma procura sincera por conhecimento.
Agora, sinto que talvez me esconda atrás daquilo que já sei. Atrás das cenas do perfeccionismo… Já sei e sei que não sei como fazer o texto perfeito.
Suponho que sintam o mesmo, ou uma variante disto. Acredito, mesmo, que todos o sentimos mas nem todos admitimos. Primeiro impera o medo de escrever parvoíces e, depois de aprender alguma coisa, vem o medo de não saber usar o que aprendemos.
Em especial, se tentamos publicar aquilo que escrevemos.
É difícil escrever alguma coisa quando sentimos o Fantasma do Mundo Inteiro a respirar no nosso pescoço. Quando temos espectativas e frustrações. Quando, no fundo, não acreditamos ser capazes de melhorar. Quando nos levamos demasiado a sério e não nos permitimos apreciar.
Por isso, é tão importante deixar que a Coragem se sente na nossa cadeira, mesmo ao lado do nosso companheiro Medo.
Não adianta tentar expulsar o segundo do local. Ou amarrá-lo à perna da cadeira. Acreditem que eu já tentei. Agora, acredito que, ao Medo, temos de arranjar companhia, como a uma criança pequena que precisa de guia, companheiro ou entretém.
Passo muito tempo a digladiar-me com o meu Medo, relutante em aceitar que ele é um companheiro de viagem, do qual nunca me vou livrar. Ele sou eu, disfarçada de outras coisas menos próprias. Mas, a boa notícia é que a sua companheira, a Coragem, também está aqui. E, é com este par de jarras que tenho de conviver. Eu, e todos aqueles que se propõem a arriscar alguma coisa, para deixar algo de si e das suas artes.
A única forma de deixarmos a parte de nós que significa alguma coisa, o fruto do nosso trabalho, é aprender a lidar com estes dois companheiros de viagem. Eu e o Medo, Eu e a Coragem. Somos a trindade que pode deixar alguma coisa feita, desde que possamos aprender a conviver.
Não sei calar as suas vozes. Por isso, não sei ensinar-vos a fazer isso. Mas gostava. Gostava de descobrir uma solução que não passe por aprender a conviver com o que existe. Assim, só posso dizer-vos o que faço quando o blá, blá, blá não arranja outra diversão.
Sei o que outros tentaram. Uns com meditação, outros com racionalização, outros ainda com compaixão. Eu, tenho tentado uma mistura delas. Talvez também resulte para vocês. Uma combinação de algumas. Talvez nenhuma. Ou, talvez uma mistura de todas.
E, talvez, não seja suposto calarmos as suas vozes. Talvez seja suposto usarmo-las naquilo que escrevemos.
Comigo, todas as resoluções deste conflito são temporárias. Desgastam-se e apagam-se com o tempo. Mais depressa, ainda, se houver pouco reforço. Aqui posso relembrar Pressfield de novo: É a Resistência a falar.
Suponho que seja um pouco como aqueles gráficos em Economia, da Oferta e da Procura, em que nada se mantém ad aeternum por ali fora, e só temos de aprender a identificar onde vão ocorrer as inflexões.
Nós, pessoas, também somos assim. MAS, temos elevada dificuldade em aceitar que tudo Muda e que tudo se Transforma… e, que há inflexões a aceitar.
Aliás, a maior parte de nós, passa a vida a recusar Mudar sem se aperceber que é isso que faz, mesmo quando escolhe não o fazer (nestes casos, costumamos mudar para coisas que não antecipámos).
Se calhar, só podemos aceitar que vamos sempre partilhar a cadeira com os nossos dois maiores amigos: Medo e Coragem.
Se calhar, só podemos dar o nosso melhor para que o tamanho do assento seja ocupado equitativamente pelos três: Escritor, Medo e Coragem.
Se calhar, só podemos continuar a procurar este equilíbrio a cada dia que passa.
Agora, sentem o tutu na cadeira e escrevam. Há uma multidão de vozes a querer desabafar.
[cryptothanks]
Olá, Sara. Belas reflexões acerca do binómio Medo-Coragem. Há que aprender, de facto, a escutar e atentar às vozes de ambos. Porque o Medo é a nossa defesa-mor, é a atenção da vida aos perigos. A Coragem é a própria vontade de existir para os outros.