De Susanna Tamaro este é o sexto livro que leio.
Tendo o formato de livro, enquanto o seu conteúdo foge ao objecto em si, “Regresso a Casa” compõem-se por três momentos escritos da autora, contendo dois discursos e uma entrevista.
E, como é hábito nos escritos desta autora, carregado de significados nos seus temas e exposições sobre a escrita e a vida.
Pegando numa explicação sua, sobre o que tem escrito até este momento, os seus escritos formam um ciclo, integrando literatura adulta e infantil. E, este ciclo tem sido a sua forma de encarar o trabalho da sua vida e as escolhas pessoais que tem feito.
Tenho um longo período de maturação, feito de muito estudo, de reflexão, de leituras, de notas, de passeios (…) substituído por uma fase de suspensão em que não faço absolutamente nada e me sinto muito perdida. (…) Depois disso, e independentemente da minha vontade, o livro vem. (…) Por um lado é fascinante: são os mecanismos da criação. Mas, por outro é difícil de viver. É preciso entregar-se.” – Susanna Tamaro em “Regresso a Casa”
Confesso que não procurei seguir qualquer lógica temporal na leitura das suas obras, mas que esta noção de ‘ciclo’ me permitiu compreender algumas coisas naquilo que escreve, assim como nos meus próprios escritos.
Com excepção do primeiro que li, o famoso “Vai aonde te leva o coração“, que ainda hoje me ocorre nas mais estranhas ocasiões, os restantes formaram uma leitura fortuita baseada na facilidade de acesso (e preço), incluindo: “O coração também pensa”, “Para sempre“, “Todo o anjo é terrível” e “A grande Árvore”.
Nesta minha necessidade de categorizar “Regresso a Casa”, incluo-o nos guias de escrita. Não apenas um guia para a escrita da autora, mas para os temas que compõem a minha própria prática.
O tema ‘infância’; as preocupações exacerbadas com o mundo; os motivos que iluminam os que nos rodeiam; a incompreensão dos outros para connosco; o mistério, o sentido e os ‘porquês’ da vida;
Sentia que a existência encerrava um grande mistério. Um mistério que aparentemente todos ignoravam. Um mistério cuja percepção me tornava extremamente frágil.” – Susanna Tamaro em “Regresso a Casa”
Identifico-me com isto.
Ou, como nos esquecemos que olhar para o mistério da vida e maravilhar-nos com ele é enaltecer-nos. A beleza como convite para nos sentirmos deslumbrados pelo mundo que nos rodeia. Os sentimentos que, por exemplo, a imensidão do mar nos provoca…
Tamaro discursa sobre a percepção que temos dos motivos para a nossa existência, o acaso, o papel do Universo e de Deus, o mistério da criação, escolhas pessoais, espiritualismo, a vida interior de cada homem, os rituais… todos os temas que nos empurram a pensar sobre as coisas que fazemos e o nosso caminho pessoal.
Ser escritor é uma estranha condição. Sabemos muitas coisas, mas a nenhuma delas se atribui um mérito especial. Não há resultados académicos – uma licenciatura, um diploma – para exibir como como fundamentação do próprio saber. / A nossa deambulação é bem estranha: vamos um pouco para um lado, um pouco para outro; aqui guarda-se alguma coisa, ali não, mas não é importante; continua-se a avançar como cães alegres que seguem um rasto que os outros não podem ver. – Susanna Tamaro em “Regresso a Casa”
Compreendemos como a autora vê o percurso que lhe permite escrever os seus livros, a progressão dos temas, o seu percurso a par com o percurso da sua narrativa, permitindo uma reconciliação consigo própria, com as dores da sua infância e com a sua história familiar.
A reconciliação é o percurso do reconhecimento da nossa fragilidade e a aceitação do nosso passado, seja ele qual for. – Susanna Tamaro em “Regresso a Casa”
Por fim, ficamos a conhecer parte da sua história familiar, dos autores e obras que a influenciaram, dos seus ritmos de vida e de trabalho, do papel que os (mais de duzentos!!) diários têm na sua escrita,…
Os preconceitos de que tem sido alvo ao longo da sua vida como escritora, sobre a influência da fé católica na sua vida, e os desafios que isso coloca na percepção dos seus escritos,…
Seguir a vocação que o coração indica, a necessidade de comunicar quando escreve uma obra, a função social do escritor, sobre os temas que escolhe e os que evita, tanto na sua obra como na vida, e os seus mecanismos de criação.
Quando se escreve deve-se ser livre. A escrita não se pode transformar numa demonstração. – Susanna Tamaro em “Regresso a Casa”
Porque, de uma forma ou de outra, procuramos sempre os meios que nos permitam regressar a casa (sendo o coração o seu maior símbolo).
E, para mim, é sempre interessante conhecer os processos criativos de outros criativos neste mundo. Adoro!