Cada escritor tem um processo criativo próprio. Cada um de nós tem hábitos, processos, formas de ser, e estar, que determinam a execução de um projecto.
E, em caso de dúvida, tudo o que temos de fazer para comprovar isto, é procurar qualquer entrevista feita a um escritor conhecido, e ouvir o que ele tem para nos dizer dos seus ritmos criativos.
Neil Gaiman, Stephen King, Haruki Murakami, Nora Roberts, Ernest Hemingway, Anne Lamott, José Saramago, e todos os outros, cujos processos criativos são sobejamente investigados, e conhecidos, dos apreciadores desta arte.
O processo a cada um de nós, como pessoa criativa, pertence. Pelo menos, a parte de descobri-lo.
Porque o que funciona para mim, pode não funcionar para ti. E, o que funciona para este livro, pode não funcionar para aquela antologia de contos. E, por aí fora…
Como encontrar o nosso próprio processo?
- Aprendermos com outros, profissionais assumidos, as suas formas de fazerem aquilo que desejamos fazer, seja por tentativa e erro dos nossos próprios métodos, seja por experimentação e aplicação diversa.
- Investigarmos como nos sentimos melhor quando estamos em processo criativo.
- Organizarmos a nossa realidade em benefício desta actividade criativa que desejamos executar.
Tenho experimentado várias formas, dentro das coisas que sei que consigo fazer (já não corro nem para salvar a vida, quanto mais os 10K do Murakami…), e tenho a certeza, se é que posso afirmá-lo assim (porque, diz que, quem tem muitas certezas, costuma estar errado :-D), de algumas coisas.
Convicções sobre os processos da arte criativa:
- Cada projecto criativo requer um método de trabalho especial. Cada projecto exige uma forma particular de articular objectivos, horários, quantidade, pesquisa, esforço pessoal.
- Todos os projectos são diferentes entre si. Mesmo os que aparentam ser semelhantes como, por exemplo, escrever um livro, não o são. Cada um requer de nós uma quantidade específica, e muito própria, do nosso tempo e empenho.
- A dedicação que temos a um determinado projecto é determinante para a sua completa execução.
- Cada fase da nossa vida, os nossos ritmos e outros compromissos, têm um impacto único nos nossos processos criativos.
O mesmo escritor conta-nos, uma e outra vez, o que foi preciso fazer para completar uma determinada obra e, o que precisou fazer para completar qualquer outra. O que é um belo argumento para esta minha crença de que, cada projecto envolve um processo criativo desenhado, em especial, só para si.
Acredito também que, é preciso saber reconhecer os processos que nos servem e aprender a usá-los. Reconhecê-los, apreendê-los e executá-los… também conhecido por formar os hábitos saudáveis que necessitamos.
Sabendo que formar hábitos é actividade difícil.
Para formar hábitos novos, e saudáveis, precisamos de muita força de vontade, muito empenho, de um plano específico para o novo hábito que queremos introduzir, a resistência especial à entropia da qual queremos escapar, aprender a apreciar o desconforto que uma actividade nova exige, coragem para manter o plano mesmo quando a vida nos troca as voltas…
Experimentei o desconforto de sprints de escrita, nas últimas duas semanas. Isto tem sido um desafio para mim. Sei que, manter-me focada em ter períodos absolutamente dedicados a executar, organizar os meus projectos para não permitir que o vazio de não saber o que fazer a seguir se instale, aparecer uma e outra vez, sem permissão para me escusar da actividade… tem sido enriquecedor.
O vídeo desta semana mostra um bocadinho destes sprints de escrita…
Mas, como ando sempre à procura das técnicas que me permitam fazer isto de que gosto (Escrever, para não deixar dúvidas), submeto-me às coisas que me parecem certas no momento…
… como acordar às 6 da manhã, todos os dias, para encaixar duas horas ininterruptas de escrita antes que a miúda acordasse, durante o ano e meio em que estivemos no entra-e-sai de confinamento.
Foi um processo criativo que deu os seus resultados. A história ‘Os Metamorfos’ foi um projecto que nasceu nesta altura.
Assim, dei comigo a fazer um pequeno resumo das experiências que adaptei para o meu próprio processo criativo.
Pérolas de Processos Criativos Alheios:
De Julia Cameron trouxe formas de ultrapassar bloqueios criativos, de aceitar a inconstância da criatividade, desde que suportada pela constância dos horários de trabalho.
De Stephen King trouxe o encaixar as duas grandes actividades: Escrever e Ler. Estipular períodos diários para que ambas aconteçam. E, o prego das cartas de rejeição. Persistir no género literário que escrevemos, sem olhar ao que os outros pensam sobre o assunto.
De Anne Rice juntei a força de criar uma obra em que se acredita. A inovação e persistência nos temas da sua obra. A resiliência quando a vida lhe trouxe o pior desgosto.
De Haruki Murakami experimentei começar a escrever às 6 horas da manhã, durante ano e meio, assegurando uma prática criativa consistente e dedicada. Ele desenhou a sua vida para ter sucesso nesta arte da qual desejou viver. Agradeço a noção de nos reinventarmos no nosso melhor Eu.
De Nora Roberts experimentei não permitir distracções enquanto estou dedicada a uma só actividade. Focar apenas neste artigo, enquanto estou a escrevê-lo sem permitir distracções externas, como atender telefonemas, por exemplo.
De Ken Matsuzaki trouxe a indiferença ao tamanho do projecto, e o exemplo de dedicação à arte de criar. Não importa se a peça tem 50 cm ou 50 metros, a sua execução era cuidada, a sua devoção ímpar e a sua visão inovadora.
De Paulus Berensohn trouxe a inspiração de que estamos nestes trabalhos porque desejamos não apenas sobreviver, mas Criar Uma Vida. Desejo encher a vida da magia da criação, projectar a visão que tenho da vida que quero, e consubstanciá-la numa existência que me sirva… nada mais faz sentido.
De Hayao Miyazaki, reconheci padrões, mas optei por trazer a dedicação absoluta (ou trabalhar para ela). Ele trabalha com o perfeccionismo. Para mim, o perfeccionismo tem sido um veneno paralisante. Ele vive a arte que cria. Quero isto para mim, a dedicação absoluta.
De Jane Austen trouxe a necessidade de simplicidade nas minhas criações. Aceitar que simplicidade, complexidade e qualidade são primas, e não inimigas. Assim como a persistência quando a vida nos coloca em desvantagem assumida.
De Neil Gaiman trouxe as conexões entre ideias inesperadas, a idealização da criatividade, e a necessidade de adaptar cada processo criativo ao projecto específico. A pesquisa focada, os tempos de escrita e a franqueza quanto ao que a sua escrita lhe exige, são orientações inestimáveis.
Sou, neste momento, uma miscelânea de processo criativos em convulsão.
Até porque, estas não são as únicas influências a que me exponho neste momento.
Muitos outros criativos contemporâneos trazem para esta nossa actualidade, super conectada pela internet, outros modos de vida, outras experiências, e a resolução de diferentes obstáculos que nos assolam a todos os criativos desta época.
Aproveitar o que nos serve. Descartar o que não faz sentido na nossa vida. Aparecer para a execução da nossa arte. É só o que importa aqui.
Como formaram os vossos processos criativos? Têm mentores em outros criadores? Qual o hábito que melhor serve a vossa prática criativa?
Obrigada e Até Breve!
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Referências:
- “The Artist’s Way”, Julia Cameron, ISBN 9781585421466
- Artigo: Opinião: ‘The Artist’s Way’ de Julia Cameron
- “Bird by Bird: Some Instructions on Writing and Life”, Anne Lamott, ISBN 9780385480017
- Artigo: Opinião: ‘Bird by Bird’ de Anne Lamott
- “Ernest Hemingway on Writing”, ISBN 9780684854298
- “On Writing: A Memoir of the Craft”, Stephen King, ISBN 9780743455961
- Artigo: As Cartas de Jane Austen
- Artigo: Opinião: ‘On Writing’ de Stephen King
- Neil Gaiman — The Interview I’ve Waited 20 Years To Do | The Tim Ferriss Show
- Artigo: Homenagem a José Saramago
- Artigo: 5 Melhores Práticas para uma Escrita de Sucesso
- Haruki Murakami Life-Changing Advice To Start Anything
- Artigo: Um Objectivo alcançado
- Anne Rice interview (1996) – The Best Documentary Ever
- I TRIED WRITING LIKE NORA ROBERTS FOR A DAY // a writing vlog
- Nora Roberts at The Washington Post
- Ken Matsuzaki | The Intangible Spirit | GOLDMARK
- ‘Paulus and clay‘
- 10 Years with Hayao Miyazaki