Olá a todos. Sejam bem-vindos a esta [vida criativa].
Neste artigo, encontram argumentos para a necessidade de ter passatempos e como eles contribuem para as nossas práticas criativas e obra.
Sempre tive uma relação difícil com Passatempos. As coisas que gostava de fazer para passar o tempo eram as coisas que eu gostava de fazer a tempo inteiro.
Passar + tempo incluía escrever, ler, estudar, ver histórias na tv, entre momentos de correr, trepar e andar de bicicleta. Passei as minhas fases de Legos, bordados e ponto cruz… assim como música, desenhos e colagens.
Com o tempo, algumas destas actividades mantiveram-se, enquanto outras foram abandonadas. Noutros momentos, aprendi outras artes (como desenho e mixed media)… mas houve sempre uma sensação esquisita de desperdício de tempo.
passar + tempo era equivalente a desperdício de tempo. Tempo que deveria estar a utilizar para fazer coisas produtivas, que trouxessem trabalho e dinheiro… estão a ver onde isto vai dar???
Não fazer nada pelo simples prazer da actividade passou a equivaler a não ser capaz de fazer nada.
Viver para fora, para os outros, para as opiniões dos outros sobre o que deve ser a nossa vida, para que haja uma sensação de valor abstracto que atingimos… mas, nunca maior do que aqueles que eles percepcionam ser o seu próprio valor. Esprememos todas as actividades… as saídas, os jantares, o que fazemos para os outros, as suas influências sobre as nossas escolhas, e acabamos com… nada. Não sai sumo de um limão seco.
Porque o desenho que fazemos não serve para nada. Porque o texto que escrevemos não merece ser lido. Porque os livros que adoramos dão-nos ideias perigosas. Porque aquilo que dizemos, e pensamos, incomoda.
passar + tempo pode significar abrir os nossos horizontes para ideias e actividades que nunca teríamos apreciado, se não lhes tivéssemos proporcionado o tempo necessário para se desenvolverem.
Permitir-nos investigar algo, aprender, praticar… algo tão inconsequente como arte de diamantes, por exemplo, muitas vezes é a permissão que necessitamos para ir em busca desses outros projectos que desejamos aprender e concretizar.
Um passatempo reúne, assim, várias funções, como havia escrito no artigo Passatempo, Trabalho ou Criação: Organizar pensamentos sobre o acto de criação artística, que vos convido a reler.
Mas a função que, pessoalmente, descobri ser essencial é: viver.
Ter passatempos saudáveis é equivalente a viver de uma forma mais positiva.
O facto de aparecermos para uma actividade construtiva, que nos proporciona momentos de descontração total (ou parcial, dependendo do que se escolha fazer e como), em que o entretenimento é o objectivo mais imediato, através do qual se aprende sobre algo, é positivo.
Como ouvi há uns dias:
Em português, o oposto de esperança é desespero. E, se estamos num estado de desespero, não fazemos nada.
Verdade.
É, também, por isto que é importante estarem atentos ao momento em que os passa + (bons) tempos desaparecem. É nessa fase que precisamos de mais esperança.
Que as coisas se resolvam. Que os tempos melhorem. Que o tempo acaba por solucionar o que não aparenta ter qualquer outra solução. Que, por vezes, viver é deixar andar e, noutras ocasiões, é lutar e não se acomodar.
Sentimo-nos desanimados. Procuramos distância emocional do problema. Procuramos conforto em actividades que só reforçam o desânimo. A forma como nos sentimos afecta tudo. Mesmo que as pessoas se dediquem a negar que os sentimentos são válidos, necessários e determinantes. Os sentimentos são essenciais para uma boa vida.
Nas nossas tendências para repetir certas coisas, para procurar conforto em actividades menos saudáveis, para nos auto-flagelarmos sem motivo, acabamos imersos em infinite scrolling, em jogos online, ou outras actividades pouco saudáveis que envolvem consumos em excesso de reforços negativos.
Talvez um passatempo possa ajudar?
Aprender a fazer malha (nunca gostei e, acabei a ter de aprender para ensinar a miúda que gosta de amigurumi), puzzles, lego, diamond art, desenhar kawaii, colorir desenhos, escrever um poema curto, pasta de modelar, fazer um álbum de recordações, aprender a tocar um instrumento (vocal incluído), reaproveitar objectos, e tantas outras coisas. Mesmo os jogos, podem ser utilizados de forma positiva.
Combinar passatempos é algo que adoro fazer. Recombinar materiais ou acumular um audiobook com uma actividade manual. Journaling, desenhar, colorir, diamond art, fazer malha (ainda com ressentimento porque estou com dificuldades), pasta de modelar, colagens, fotografar, observar a natureza, e o que mais vier.
Empestar a casa com o cheiro de mod podge, para curar a diamond art painting… Aprendi mais umas coisas, já que nunca tinha utilizado este produto. E, ando a contemplar voltar a uma arte da minha infância. Lembram-se dos teares de cartão? (tear de papelão) Ando com vontade de voltar a experimentar.
Ocorre-me algo, em que reparei há muito tempo, quando comecei a ler livros de Nora Roberts, e que vai ao encontro de uma das frases mais repetidas para os jovens autores, que diz “escreve sobre o que sabes”.
Surpreende-me sempre a quantidade de informação que serve de pesquisa às histórias que escrevemos.
No caso da obra de Nora Roberts, apercebi-me de uma cultura geral abrangente quando, no mesmo texto, ela fala de jogos de telemóvel, ou de marcas automóveis, ou de qualquer outra existência deste nosso mundo, utilizando-a de uma forma que acrescenta à história que estamos a ler.
Experimentar certas actividades é conhecimento acumulado, que nos serve de mais formas do que apenas a principal, mesmo que não nos apercebamos disso de imediato.
Assim, encontrem passatempos. E, permitam-se o conhecimento e a descontração que eles trazem. Porque, tudo isso, enriquece a vida e a nossa obra.