Há muito tempo que não me sentia impelida a escrever umas Palavras Soltas. Talvez porque as tenha levado a todas para a miriade de journals, com que encho as prateleiras (e esvazio as canetas da sua tinta). Talvez porque o panorama pessoal, social e político mudou de formas que não antecipei.
Este artigo começou como uma outra coisa qualquer. Um pouco frívola, parece-me, em comparação com que prossegui a escrever aqui. Não posso, ou quero, dizer-vos o que devem fazer. A cada um de nós cabe a responsabilidade de decidir sobre o que faz. Mas, persigo a dizer como vejo o imbroglio em que nos metemos, e como isso funciona (ou não funciona) para mim.
Como Sociedade, parece-me que chegámos a um ponto em que precisamos de, de facto, rever o que andamos a fazer com a nossa Vida global. Na busca por formas diferentes de ver a Vida, não adianta grande coisa, encher a boca de ideias de outros, nas quais não acreditamos mais do que o que nos é permitido à superfície.
Aquilo em que não acreditamos irá sempre impedir-nos de nos mantermos, por muito tempo, numa determinada filosofia.
Mas, para mim, o pior é que nos vendem ideias de que é preciso adoptar filosofias de vida que parecem bem. Coisas que devíamos fazer, ser e gastar dinheiro a ser, de preferência.
Aquelas coisas que, vistas pelos outros, geram mais do mesmo problema que tínhamos antes de adoptarmos a “filosofia” em si. É assim com a Política de hoje, com o que adquirimos, com aquilo em que usamos o nosso tempo, até com a comida que escolhemos levar à boca.
Parece-me bastante ineficaz categorizar-me através de coisas que Não Sou. Até podia querer ser, e até podia ser uma pessoa melhor, se fosse verdade que a adopção de uma filosofia de vida fosse o que eu queria ser.
E, como descobrimos o que somos, e o que não somos, quando não experimentamos?
Bom, acho que não tenho de ser noctívaga por um mês para perceber que gosto de dormir de noite. Ou, não preciso comer só saladas todos os dias para perceber que gosto de hamburger. Ou, não preciso ficar doente para perceber que não se alinha com o meu bem-estar.
Sei que não sou vegetariana. Não sou activista dos animais. Não sou capitalista. Não sou de um partido político. Não sou activista ambiental. E, nesta sociedade, parece tão bem ser-se qualquer uma destas coisas. Em especial, se só aparentarmos ser e não tivermos de agir em concordância. E, isso é outra coisa que também não sou: concordante em aparência.
Não sou porque acredito que a acção não deve modelar-se através de filosofias tendenciosas, mas sim, partir das nossas crenças reais.
Como escrevia Fernando Pessoa:
Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. – “Tabacaria” Álvaro de Campos (heterónimo)
O que sou, então? Não sei. E, para efeitos deste argumento, não interessa. Sei no que Acredito.
Acredito que o Homem precisa de uma forma de viver diferente. Acredito que a ciência é a nossa melhor, e mais segura, opção de resolver as situações. Acredito que nos entupimos de comida que nos faz mal, propositadamente, ou que passamos fome como um qualquer castigo com que nos auto-flagelamos. Acredito que não nos exercitamos o suficiente, e que somos demasiado preguiçosos para querer aprender sozinhos, mas que devíamos e, acredito que somos capazes de contrariar tudo isto.
Acredito que acreditamos que somos boas pessoas quando, no fundo, somos todos muito mauzinhos uns para os outros. Acredito que o planeta, e nós, os seres humanos, precisamos de entre-ajuda, e de nos ajudarmos como espécie.
Acredito que todos os animais, plantas, crianças e necessitados merecem respeito. Acredito que Todos os Seres Vivos merecem ser respeitados e preservados nas suas diferenças e vivências.
Acredito que o açúcar, o álcool, o tabaco, o café são venenos. E, também sei que, sem a exploração económica destes (e de outros, mais polémicos ainda) há muito que não existiria comida para esta população toda.
Acredito que as crenças religiosas/políticas, a falta de educação de qualidade, e de saúde pública para todos (ou para a maioria, porque é impossível equacionar absolutos em questões tão complexas como estas), têm sido os principais opositores a um desenvolvimento sustentável. Podemos olhar, mesmo que superficialmente, para a História nos últimos duzentos anos. O que sabíamos sobre nós, e sobre o Mundo, e o que aprendemos desde aí é transformador.
Acredito que os preconceitos, o egoísmo, a falta de gestão emocional, o desejo de ser mais do que o outro, têm feito uma mossa na nossa evolução, e representam o maior perigo que corremos agora… e, não nos faltam exemplos de imaturos a tentar dominar o mundo, nem de interesses económicos a prevalecer sobre a vida humana. O valor da vida é diminuto quando olhamos para a sua magnitude. Não devia ser assim. Mas, é.
Acredito na existência de opostos e de quanto a vida é feita de ambos. Não nos faltam exemplos de tudo isto e, de muito mais. Para cada acto vil, há um oposto imediato, um acto de bondade humana. Felizmente!
Assim, não acredito em grandes discursos cheios de boas intenções (ou más intenções bem disfarçadas) e palavras vazias. Não acredito em filosofias, mesmo se bem fundamentadas, com pouca substância intrínseca. Não acredito em conhecer o Sistema para saber contornar o Sistema. Se precisa ser contornado, não está a funcionar em prol do bem geral.
Acredito que todos os discursos de mudança soam a utopias vãs e incapacidade de ver para além da nossa própria realidade. Conheço-os bem. Todos nós pronunciamos alguns na nossa ingenuidade. E, isto porque, no momento, é o horizonte de que os olhos dispunham. Como este “discurso” presente. E, não faz mal. É o que vejo neste momento de tanta agitação pessoal e social.
Recordo-me de ser jovem e ter algumas “discussões” sobre política e o único argumento contra o qual eu não imaginava sequer resposta era: “Mas, eles são todos iguais. Não há nenhum que seja diferente.” Este era o argumento que me arrumava sempre.
Sim. Eles são todos iguais, porque nós, como pessoas, somos todos iguais. Mas, isto já não podemos dizer!
Vemos nos outros o que seríamos impelidos/obrigados (agradecidos) a fazer se estivéssemos nas suas posições. Ou que nos recusaríamos a fazer… Costumo ser mais desta facção, para meu prejuízo pessoal.
Assim, e em caso de dúvida, sugiro sempre começar por mim. É quase impossível manter-nos firmes, 100% do tempo, contempladores vigilantes do que não queremos ser mas, com a nossa autorização pessoal, nos impelem a ser. Mas podemos sê-lo, pelo menos, uma boa parte do tempo.
E, por vezes, somos confrontados com situações difíceis de gerir. Em que se torna impossível agir de acordo com aquilo em que acreditamos. Mas, também nessas, só mantém a farsa por algum tempo quem é capaz disso. Ao lidar com a dissonância de uma situação, acabamos por regressar ao caminho que acreditamos que devemos seguir. Às vezes leva muito tempo, e causa muito sofrimento desnecessário, mas lá encontramos o sítio por onde ir.
Filosofias: conhecer todas (ou muitas), seguir a minha. Nunca parar de aprender sobre o mundo em que vivemos e as suas modas e filosofias.
Acredito que é importante conhecer aquilo em que Acredito. Aquilo que sei que seria incapaz de fazer. Aquilo que acredito que sei fazer. Aquilo que não permito que me empurrem a fazer. Mas, também sei que nunca saberei o suficiente para fazer qualquer diferença…
Mas, e olhando apenas para o que tenho ao meu alcance para fazer, acredito que manter-me vigilante sobre o que não quero perseguir é determinante. Quero, também, Acreditar que seremos conscientes o suficiente, para mantermos um qualquer futuro melhor, mesmo se através de um molde diferente.