Ao fim de uns anos disto (Vida), a experiência que amontoamos torna-se numa coisa amorfa. O que vivemos ainda existe em nós, sob outras formas e, serve-nos de maneiras insuspeitas.
O que sabemos expande até englobar as coisas que nem sabemos que sabemos.
A dimensão e a profundidade das nossas experiências pessoais, e a nossa forma de pensar, leva-nos a existir munidos de um determinado conjunto de coisas às quais vamos acrescentado a cada dia que passa.
Quando nos sentamos a escrever, recorremos a todas essas coisas que sabemos. E, acima de tudo, recorremos a todas aquelas coisas que desconhecíamos que sabíamos.
Por isso, escrever com segredos, com entraves, com vergonha ou medo, não costuma ser uma experiência aprazível ou viável, para um autor que se preze… ou, para alguém que deseje escrever de forma honesta e real.
Desvendar esses nossos pequenos segredos e evitar filtrar o que colocamos na página, é sinal de maturidade. Significa que a nossa escrita evoluíu.
Não falo sobre publicar o que quer que seja dos nossos segredos pessoais. Sabemos mais do que isto e dos perigos que isto representa. Apesar de, em última análise, poder vir a ser disso que se trata.
Falo de nos autorizarmos a aproximar de uma página sem preconceitos, julgamentos, ou filtros sobre aquilo que devemos, ou não devemos, escrever. Falo sobre temas e perspectivas pessoais e, não, segredos.
Sim, ter um projecto de um livro de ficção, com personagens construídas que podem, ou não, ser reflexo desta ou daquela pessoa, e cujos temas podem, ou não, ser importantes para nós, como um constructo desta arte que queremos ver despersonalizada ou liberta de quem somos é possível.
Não é por acaso que se produz tanta ficção que, no fim, não perdura na memória dos que a lêem.
Mas, trabalhar os nossos temas, na racionalização daquelas experiências pessoais, à luz da nossa visão particular (das crenças, preconceitos, ideias que cada um de nós tem sobre cada assunto), é o que nos ajuda a progredir na nossa escrita. Permitir-nos escrever uma má página de cada vez até ao dia em que o juízo de valor sobre o que escrevemos mude.
Acho que, de certa forma, tem sido isso que o #Impromptuarium me tem permitido. Se não sabem o que isto significa, podem ler mais sobre o assunto aqui…).
Assim como o journalling. Em especial, na sua forma de 3 páginas matinais (ler mais sobre isto aqui…). Aproximar-me de quem sou, através do que escrevo. Vislumbrar as possibilidades, pelos assuntos que escolho esmiuçar, em algumas páginas. Contemplar com persistência os temas que são meus.
Consigo ver agora que, por exemplo, quando lemos ‘Of Mice and Men‘, obtemos uma poderosa experiência emocional sobre a natureza humana na sua essência, porque Steinbeck fez o seu trabalho pessoal, e analisou de uma forma exaustiva, da qual só vemos o resultado desse trabalho na sua obra literária. Era impossível compreender estes temas de outra forma.
Não sobrecarregamos quem nos lê com os particulares reais dos temas que nos assombram. (E, nunca sabemos que palavras tocam quem lê o que escrevemos…) Mas, sabemos o suficiente sobre esses temas para os transpor para uma história que seja relacionável para quem lê.
Podem ler mais sobre como escrever ficção baseada em histórias verdadeiras aqui…
Isto só quer dizer uma coisa. Significa que fizemos o nosso trabalho na sombra e que construímos, baseado nele, os seus resultados.
É fácil? Nop.
É necessário? Definitivamente.
Só chegamos aos sentimentos daqueles que nos lêem se tivermos feito o nosso trabalho de casa. E, só fazemos o nosso trabalho de casa, se estivermos genuinamente interessados em compreender as coisas que nos afligem nas nossas vidas.
Ao fim de uns anos disto (Vida), temos muito material esquisito para explorar. Eu sei que tenho… É só o que vos digo!