Escreve uma má página

escreve uma má página

Ler sobre Escrever, há algo melhor? Só se for escrever sobre Escrever.

Gosto de uma e de outra.

Gosto de aprender o que os outros aprenderam antes de mim, ou depois, depende. Gosto de organizar os meus pensamentos sobre a arte da escrita. Gosto de não me sentir tão isolada de outros que, como eu, não sabem viver de outra forma… apesar de, ínfima e secretamente, desejarem fazê-lo.

E, mais uma vez, dei comigo a degustar o capítulo de seu nome ‘Writing’ no livro ‘Almost Everything‘ de Anne Lamott. Sim, a autora de ‘Bird by Bird‘ sabe do que escreve.

Por mais coisas que escreva perpetua-se o debate interno sobre para que serve tudo isto? Porque escrevo? Porque sinto necessidade de escrever? Porque nunca consigo seguir os moldes dos outros? As fórmulas que fazem a parte pública resultar?

Porque não desisto?

Afinal, não é que me traga dividendos e possa largar os trabalhos das 9 às 18. Sim, os cêntimos que (não) recebo anualmente são divertidos. E, com isto, não quero parecer mal agradecida. Esses cêntimos são fruto do meu trabalho e agradeço porque eles significam que é possível publicar, mas…

Mais importante do que isso é nunca acreditar que a publicação, o dinheiro ou a fama resolvem alguma coisa…

So don’t write thinking that publication will fill in the Swiss-cheesy holes in your soul or hoping that it will bring you personal improvement, because it won’t.

Publicar não é um fim em si mesmo. Partilhar é. Click To Tweet

E, questionar faz parte do processo. Sem perguntas, e sem curiosidade, não teria nada sobre o que escrever. Assim como, fazer perguntas mantém-me consciente dos motivos que me levam a aparecer, em grande parte dos dias, para qualquer actividade relacionada com as minhas artes.

Agora, acrescento a menina de três anos agarrada à minha mão direita, a pedir o colo onde resta o computador, ou a tentar destruir a casa em busca da minha atenção indivisa. E, mesmo assim, continuo… Porquê?

A resposta a esta pergunta é…

It’s never, ever, ever good enough until you learn it’s good enough. You need to reestablish the purpose of writing. If it’s fame, money, or power, you’re doomed. (…) If it’s creative release, or you have a story to tell, or if you’ve just always wanted to write a novel, or you just love to write, the way other people like to garden, you’re good.

Tal e qual. Durante muito tempo acreditei que tinha de haver um resultado disto. Que havia algo, um plano, um grupo de objectivos a perseguir e, no fim, seria uma vida menos difícil.

Pouca sorte a minha! Escrever não é como seguir uma receita na cozinha que, no fim, o bolo cresce (ou não) desde que se sigam as instruções… e, não se abra o forno a meio.

O único objectivo da escrita é manter-me sã, útil, e mentalmente ágil. Esquecer a vida fácil, porque não há vidas fáceis. Não que alguma vez tenha tido ilusões sobre qualquer tipo de facilidades na vida.

Muito tempo de ócio, e privilégio, gera os piores doentes. E, nunca fui de perseguir a fama. Primeiro porque Portugal é do tamanho de uma ervilha desidratada e a fama costuma trazer um preço ridículo. Depois, porque desde cedo percebi que o público causa a implosão do meu sistema nervoso. A minha paixão pela música mostrou-me isso.

Mas, também, não compreendo como se entende glamorosa a vida de alguém que passa a vida com o nariz enfiado nos livros, nos que escreve e nos que lê… Criaram-se muitas lendas sobre a vida de escritor. Lendas. Como tão bem escreveu Elizabeth Gilbert em ‘Big Magic

Na maior parte do tempo sinto-me, como tão bem ilustra Stephen King em “On Writing“…

Sometimes you have to go on when you don’t feel like it, and sometimes you’re doing good work when it feels like all you’re managing is to shovel shit from a sitting position. (‘On Writing’)

Mas, concordo em absoluto com a ideia de que só posso concentrar-me em escrever uma página má de cada vez. Qualquer resultado é irrelevante perante esta realidade.

“You said you could teach us how to write books, but you only taught us how to write one bad page.” (…) “That’s pretty much all I have to offer.” But one bad page a day becomes a book.

Escrevo uma ideia de cada vez, uma frase, uma cena, um capítulo. Porque se olhar para a magnitude do projecto em mãos, e tomar consciência do tamanho da coisa, não sei como continuar. É impossível vislumbrar o comprimento do caminho e ter vontade de continuar.

Mas, e esta também li algures (em ‘Bird by Bird’?), é como conduzir à noite. As luzes da viatura só iluminam uma pequena parte do caminho. Conseguimos conduzir assim, a ver apenas uns metros à frente do nosso nariz. Tal como na escrita. Escrevemos uma página de cada vez

That is all you need to know – say it, say what happened that seemed worth the telling, or that you don’t want to forget. Stories are when something happened that you didn’t expect, that lead to some deep internal change in yourself or the main character. Tell it.

Something happened, both to and inside a person, that we need you to help us see, and if you believe it wasn’t old and boring, I want to hear it.

And everything that has happened to you belongs to you. If people wanted you to write more warmly about them, they should have behaved better.

Por onde começar?

O compromisso que temos para connosco de perseguir aquilo que nos anima tem de ser inquebrável. Mas, o Homem sabe sempre pouco sobre o que significa persistir. Ou, perseguem sem qualquer misericórdia as coisas que lhes fazem mal. E, são estas as características que definem qualquer pessoa e, logo, qualquer escritor.

Cabe-nos a nós próprios sossegar aquelas partes de nós que precisam de boicotar tudo aquilo que desejamos fazer. Seja por que meios for. Fácil?!?!

Sim. É fácil viver as situações e deixá-las tomarem conta de tudo o que somos e fazemos daí para a frente. Especialmente, quando falamos daquelas experiências que nos afectam de forma tão absoluta que nos fazem mudar a visão que temos do mundo.

E, depois de vivermos uma experiência como essa, como podemos sequer contemplar o colocá-la em papel? Como reviver, lidar, escrutinar, ou divulgar sequer o que nos aconteceu? Como enfrentar a página e pensar que, aquilo que nos mudou, pode ajudar alguém?

Mais, como revelar os nossos segredos poderia não nos complicar a vida?

Não é esse o objectivo da coisa.

Seja ficção ou não ficção, se resulta numa poderosa experiência emocional, se provocou uma mudança, vale a pena ser contada.

Este é o poder das histórias. Ajudam-nos a entender o mundo que nos rodeia, do qual fazemos parte, e o que influenciamos ou retemos dele.

E, porque nos interessam as histórias? Porque vemos nelas uma forma de expiar aquelas coisas que nos atormentam. Porque podemos contar aquilo que vivemos. Porque nos ajudam a organizar a nossa experiência pessoal neste mundo.

Ou, só, porque partilhá-las nos faz ser felizes. Nos traz significado e significância. Mesmo se por escassos momentos.

[cryptothanks]

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