Aviso: Este artigo contém uma opinião sentimental sobre esta leitura, um pouco mais da tragicidade de que sou fã (admito), e um pedido de atenção às incongruências, e inverdades, com que vivemos esta vida.
Falemos de Amor… de “Amor de Perdição“. Não falaremos de amores de perdição que não sejam os clássicos. Os não clássicos só mudam de rota, não se perdem na viagem, só porque erraram a estação de saída.
Escusar-nos-emos à contemplação dos amores de perdição que para aí andam, a incomodar as almas (abdicar das verdades da alma), mas da história escrita por Camilo Castelo Branco, publicada em 1861.
Teresa adivinha que a lealdade tropeça a cada passo na estrada real da vida e que os melhores fins se atingem por atalhos, onde não cabem a franqueza e a sinceridade. Estes ardis são raros na idade inexperta de Teresa; – “Amor de Perdição”
“Amor de Perdição” para mim…
Li, pela primeira vez, este livro como obrigação curricular, já não me recordo para que ano de escolaridade.
Recordo-me que “Amor de Perdição” era uma tragédia pegada, e que gostei de conhecer esta história, mesmo sendo uma leitura por obrigação.
Parece que a mesma infelicidade tem às vezes vaidade de mostrar que o é, até não podê-lo ser mais! Quero que digas: <<Está morta, e morreu quando eu lhe tirei a última esperança.>> – “Amor de Perdição”
E, no tema ‘tragédia pegada‘, já comentei convosco esta minha inclinação por coisas trágicas e mórbidas, que culminam em morte, como podem ler no artigo ‘The Dark Interval’ de Rilke.
Mas, mesmo preferindo finais felizes, são os infelizes que me enlevam, com que me identifico, e nos quais reconheço a maior probabilidade de ocorrência… daí, as minhas histórias curtas possuírem sempre esta inevitabilidade da morte e de finais destinados a acontecer.
Ler os Clássicos…
Há umas semanas, fruto do meu crescente gosto pela leitura de obras/autores considerados Clássicos, e da minha vontade em (re)descobrir os Clássicos Portugueses, fui observar ali as minhas estantes de livros e escolhi este livro para começar.
Desejo ler mais clássicos portugueses, na esperança de encontrar o que me fez abraçar os clássicos de outras nacionalidades, sem reavivar a leitura dos nossos.
Porquê “Amor de Perdição”?
Achei que, mais uma vez, “Amor de Perdição” seria simples em suficiência para começar por aqui. Por algum motivo(s), é leitura obrigatória durante a escola.
Orgulho ou insaciabilidade do coração humano, seja o que for, no amor que nos dão é que nós graduamos o que valemos em nossa consciência. – “Amor de Perdição”
Outro factor que contribuiu a seu favor foi a memória de que, no passado, eu tinha gostado desta história. Aliás, tinha-a registado com 5 estrelas no goodreads, classificação que se manteve.
E, por fim, o facto de ter a minha cópia aqui à mão, e falar de amor, e ser acessível e, basicamente, estar aqui ao meu alcance imediato.
Não deve custar a morte a quem tiver o coração tranquilo. O pior é a saudade, saudade daquelas esperanças que tu achavas no meu coração, adivinhando as tuas. Não importa, se nada há além desta vida. Ao menos, morrer é esquecer. – “Amor de Perdição”
Como possuo a cópia aconselhada para a leitura escolar, o texto integral da Europa-América, tenho à disposição um mundo de informação sobre o autor, as suas obras, a sua biografia e prefácios anteriores. Informação que precisa de outro tipo de empenho para compreender… quem se lembra de frases pomposas nos prefácios esquece quem há-de ler, e que precisa entender o que é descrito.
Mas não vos maço com as notas biográficas…
Sobre a história…
Quero mencionar algumas coisas positivas sobre o que esta história me disse:
Quero falar-vos um pouco do que senti ao ler, ou reler, a história de Simão e Teresa, e sem esquecer Mariana. O reconhecer da tragicidade inevitável que advém de assumir as nossas verdades.
… seria uma crueza mostrar-se conhecedor de tal afeição, quando não tinha alma para lha premiar, nem para lhe mentir. Assim mesmo, bem longe de se afligir, lisonjeavam-no os desvelos da gentil moça. Ninguém sente em si o peso do amor que se inspira e não comparte. – “Amor de Perdição”
Quero marcar a lealdade que certas amizades contêm. Qualquer que fosse o erro cometido, o que nunca se faria era trair aquele que se considerava família. Não trair o amor, nas suas diferentes expressões representadas.
Sr. João, deixe-me ter na sua filha uma amiga, que os desgraçados é que sabem avaliar os amigos. – “Amor de Perdição”
Quero prestar a devida apreciação pelo papel do narrador, que nos conta esta história, num artifício de estilo em que nos faz crer que esta é uma história verídica, reportada por um familiar próximo em sangue, mesmo se não fosse vivo no mesmo espaço temporal de Simão.
Quero salientar as amostras de incoerências sociais, morais, familiares, pessoais, que transformam esta história numa representação da vida em sociedade da época.
Ânsia de viver era a sua; não era já ânsia de amar. Seis meses de sobressaltos diante da forca deviam distender-lhe as fibras do coração; e o coração, para o amor, quer-se forte e tenso, de uma certa rijeza, que se ganha com o bom sangue, com os anseios das esperanças e com as alegrias que o enchem e reforçam para os reveses. – “Amor de Perdição”
Quero agraciar a simplicidade dos sentimentos simples, a devoção profunda a estes sentimentos, não permitindo que a ânsia de viver de qualquer maneira os impeça de experienciar as suas verdades. Como se não importassem os fins, apenas a veracidade da vida que desejavam ter e que, impedidos dela, fossem incapazes de se renegarem a si mesmos, negando o que sentiam e perseguindo outras formas de existir, menos dramáticas, mas a meu ver mais dolorosas e menos dignas.
Sim, foram obras como esta que nos pintaram as imagens do amor verdadeiro, da devoção até à morte, e, dizendo a verdade, que nos mostraram a colocação de uma fasquia tão elevada, para estes assuntos, e tão romantizada que algumas pessoas passam a vida à procura de uma equivalência real.
Como ouvi, há pouco: Os leitores de Romance são vorazes.
Por motivos que apenas os leitores de romances (onde eu me encaixo), são capazes de entender, mesmo se não conseguem bem explicar.
Camilo Castelo Branco possibilitou-nos uma representação de amor abnegado, de drama intenso, de aceitação das consequências, do poder que os outros exercem quando a ingenuidade não permite resolver os assuntos de outra forma, e das incongruências das vivências da época.
Um Clássico Português que vale todo o tempo usado na sua leitura e compreensão profunda.
E, aprender com as incongruências que tão bem nos caracterizam como humanos.
Obrigada e Até Breve!
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Referências:
- “Amor de Perdição”, Camilo Castelo Branco, ISBN: 9780850515091.
- Artigo ‘The Dark Interval’ Rainer Maria Rilke
- Artigo ‘Monstros, Abismos e Clássicos’
- https://www.goodreads.com/
- Artigo ‘A proporção divina de um texto’