Cenas… em Literatura. Como escrevê-las?

escrever cenas em literatura

Olá a todos! Sejam bem-vindos a este blog.

E, este é o meu regresso aos artigos mais teóricos sobre a arte da escrita. Encontro-me a estudar a construção de cenas de forma mais aprofundada, pelo que decidi partilhar convosco partes do que ando a ler sobre o assunto.

Neste artigo, partilho convosco alguns pontos essenciais para a escrita das Cenas que compõem um livro.

Estas são 14 ideias sobre as quais me debrucei, enquanto estudava como construir Cenas em Literatura.

Começo com uma citação:

“As tuas cenas são como as pedras dum muro inglês. Eu prefiro essa imagem à de tijolos porque os tijolos são todos iguais. Tu queres que as tuas cenas variem na sua forma e estilo, mas quando nos afastamos, elas devem encaixar juntas de forma perfeita.

Não queres ter nenhuma pedra encaixada em ângulos esquisitos, ou rachada a meio. Se construíres cada cena para se suportar a si própria, enquanto contribui para a história de uma forma essencial, o teu livro irá ser estruturalmente sólido.”

Fonte: “Revision & Self-Editing – Techniques for transforming your first draft into a finished novel” de James Scott Bell

Acho esta analogia mesmo apropriada. E, inspiradora. E, assim pergunto:

Como construir uma cena sólida?

Uma história é construída por Cenas. Muitas. Variadas no seu aspecto e significado. Estes são 14 pontos, devidamente estruturados para vos passar as noções essenciais sobre a construção dos vários tipos de cenas.

1. Cada cena é uma peça de um puzzle enorme.

Cada peça é diferente da outra a seu lado, cada uma delas é essencial à história e, todas juntas, compõem uma obra comum.

Para que serve uma Cena?

Cada cena pode/deve fazer uma das seguintes coisas:

  • impulsionar a história através da acção
  • caracterizar algo através da reacção
  • preparar para cenas essenciais que hão-de vir
  • adicionar algum tempero à história

2. Cada cena tem um grau de intensidade.

Um grau que varia à medida que cada cena aparece na história.

Por exemplo, quando cozinhamos massa. Primeiro é necessário uma certa intensidade para ferver a água. Depois reduzimos o calor para que a massa possa cozinhar durante o tempo suficiente, sem pegar ou queimar. E, no final, desligamos o lume para parar a cozedura (e retiramos a massa da água quente). Não queremos o lume no máximo em todas as etapas deste processo.

3. Cada cena tem de ter algo importante. Algo que está em jogo.

Algo importante para a história, ou personagem, tem de acontecer a cada cena. Mesmo que a cena seja uma pausa para repensar estratégias. A questão essencial da história tem de continuar a acontecer em segundo plano.

4. Cada cena pode ser de Acção ou Reacção.

Uma cena em que há uma força que faz algo acontecer (acção) ou uma cena em que a personagem lida emocionalmente com o que está a acontecer e define novos objectivos (reacção).

5. Uma cena de configuração (setup) do que está para vir.

Uma cena que prepara os aspectos da história que hão-de vir. Nestas cenas introduzimos aquilo (os detalhes) que, mais à frente, fará a história adquirir contornos mais importantes.

Por exemplo, no início mencionamos um medo que mais tarde irá reaparecer para confrontar a personagem. Ou um objecto que aparece aqui e que, mais tarde servirá para inflingir um dano específico.

6. Uma cena que introduz tempero (spice) na história.

Algo que pode não fazer a história avançar, mas que lhe dá relevância temática, interesse, humor, choque suficiente para apimentar a história.

Por exemplo,  e nisto recorro ao cinema, quando Anibal Lecter é confrontado pela investigadora enquanto come o cérebro de uma pessoa viva, que está ali a olhar para nós, e a falar. Sim, já sabíamos que ele era canibal, mas vê-lo ao vivo, proporciona toda uma outra dimensão à história.

7. Cada cena deve ter tensão.

Seja tensão derivada de algum conflito externo, com outra personagem, pelas regras existentes, circunstâncias ou outras ocorrências naturais, seja por conflito interno causado pelas emoções (argumento emocional) da personagem.

Criar tensão acontece quando: estruturamos a história e atribuímos às personagens desejos, de grande importância para elas e, por consequência, importantes para o leitor; Quando colocamos uma oposição activa aos seus desejos (pessoas ou circunstâncias); Quando terminamos a cena com um revés na vida da personagem; Pode ser tensão real (um acontecimento físico) ou emocional (motivos para preocupação, ansiedade ou irritabilidade).

[Muito mais há a dizer sobre os elementos de uma cena mas terá de ficar para outro artigo.]

A tensão atinge-se quando: a personagem não tem informação suficiente sobre algo importante, criando incertezas; Quando a personagem se preocupa porque tem informação a mais ou errada; Quando existe dúvida e falta de confiança em si próprio, noutras personagens ou nas circunstâncias.

8. Uma Cena tem um padrão lógico.

Ou seja, reconhecem-se formas de estruturar uma cena. Por exemplo:

A = a descrição inicial (preparar a cena)

B = personagens aparecem

C = o conflito ou ponto central da cena

Podemos mudar a forma: A,B,C ou B,A,C ou C,B,A. Tudo depende de como queremos escrever a cena. Podemos variar na fórmula, para obter um melhor resultado, e mesmo cortar o que achamos desnecessário. Tudo depende de como desejamos escrever a cena.

9. Cada Cena deve ter um isco, intensidade e um incentivo para continuar a ler.

Um isco consiste em algo interessante que fisgue o leitor para que continue a ler. Pode ser: introduzir uma nova personagem; usar diálogo (que mostra que algo já está a acontecer); descrição do local/contexto (se for interessante em suficiência).

Cada início de cena deverá estar de acordo com a obra no geral. Uma história de compasso lento, e prazeiroso, beneficia de inícios descritivos e agradáveis. Enquanto que, um thriller de compasso rápido, beneficia de acção imediata e cativante.

Intensidade porque uma cena deve ter sempre tensão, para não ser aborrecida. Contudo, temos de aprender a modelar a tensão. Conflito constante, e idêntico, em todas as cenas, também é chato.

Incentivo, tendo algo que incentive o leitor a continuar a ler. O último parágrafo, ou frase, de uma cena tem um único objectivo: fazer o leitor continuar a ler.

Apresentando uma imagem misteriosa, que antecipe algo ominoso que irá acontecer. Um diálogo com algo explosivo, uma decisão, um segredo revelado, um evento devastador, uma surpresa, um volte-face repentino, uma questão cuja resposta fica pendente.

10. Começar uma Cena em Média Res é interessante.

Ou seja, começar a Cena o mais próximo possível do ponto de acção, daquilo que queremos transmitir nessa cena, perto do motivo pelo qual a estamos a incluir na história.

Começar em Média Res também deve ter em consideração o género literário em que estamos a escrever.

11. Deve ter um ponto de vista bem estabelecido logo ao início da cena.

O leitor deve compreender, de imediato, quem está a “falar”, quem é o narrador da cena que está a ler.

Podemos identificar a personagem de forma explícita (identificando a personagem que está a fazer/pensar algo) ou implícita (quando é óbvio quem é, pelas suas acções/emoções).

12. Uma Cena deve ter movimento.

Evitar as cabeças falantes. Ou seja, quando temos duas personagens a falar, e nada mais a acontecer à sua volta. Introduzir fontes de acção e conflito paralelas à conversa que está a ocorrer, evita cenas estáticas.

13. Sumarizar não é uma Cena.

Uma cena fornece ao leitor a sensação de que acontece naquele preciso momento. Um sumário, ou transição, é o autor ou narrador a relatar o que está a acontecer, ao invés de mostrar o que aconteceu na cena.

Os sumários são essenciais em ficção porque, não é possível ou aconselhável, mostrar tudo o que acontece minuto a minuto. Servem de transição de uma cena para outra. Por exemplo: Estava em casa e, depois, enfiou-se no carro e deu consigo na livraria.

Também é útil para preparar a cena que se segue (transição). Quando prepara a ida ao parque para espairecer, onde a próxima cena se dá, por exemplo, com intenção de se cruzar com alguém.

É usado para saltar de um momento para o seguinte, de forma rápida, proporcionando uma sensação de vivermos muitas coisas que não precisam ser contadas, para chegarmos ao momento em que o conflito se dá de novo.

14. Anacronias (saltos no tempo) são cenas necessárias?

Se consideramos um salto ao passado (analepse) essencial à história, podemos considerar usá-la como prólogo, ou como a primeira cena numa história. Se decidirmos que esse salto é essencial. e apesar de ser malvisto colocá-lo muito no início de uma história, devemos garantir que funciona como uma cena normal. Deve mostrar-nos algo, imediato, confrontacional, ser escrito como acção dramática, e nunca como infodump (despejo de informação não essencial).

É preciso aprender a escrever as transições para dentro, e para fora, do momento de anacronia e ter cuidados extra com os tempos verbais utilizados.

Pontos-Chave

Muito mais poderia esmiuçar sobre a escrita de Cenas, mas fico por aqui. Deixo-vos, contudo, uma lista de Pontos-Chave mencionados.

pontos-chave cenas

Espero que vos seja tão útil quanto é, foi, será para mim.

Obrigada e Até Breve!

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Referências:

 

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