Não há Arte de Verdade. Há Medo e a Loucura de quem somos

medo

Olá a todos. Sejam bem-vindos a esta [pausa de Domingo].

Preparem-se! O tema hoje vai ser esquisito.

Hoje, falamos sobre medo e enfrentá-lo. Hoje, falamos sobre loucura e aceitação. Hoje. falamos sobre espreitar para dentro do poço e ver o monstro a olhar-nos de volta. Hoje, falamos sobre o verdadeiro construtor criativo.

Ontem, partilhei na newsletter semanal a seguinte citação:

“there is no true art, there are no true artists, there is no golden ideal we’re all aspiring to. There’s just you, several decades worth of pent-up frustration and madness, and an art form to get it all out.” — in Catastrotivity Ep.1

Os membros Construtores Criativos deste blog receberam, também, algumas das minhas ideias sobre o que isto significa, assim como uma tradução livre da frase, que coloco aqui:

“não há arte verdadeira, artistas de verdade, ou um ideal dourado ao qual devemos aspirar. O que há somos nós (indivíduos), várias décadas de frustração e loucura acumuladas e uma forma de arte através da qual podemos colocar tudo isto cá fora (no mundo).”

A língua portuguesa é muito verbosa não é?! Enfim…

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Tenho andado imersa na arte de Anselm Kiefer, em conjugação com o amor `a literatura clássica de Benjamin McEvoy e, entretanto dei umas valentes gargalhadas com o vídeo The Answer is Not a Hut in the Woods do mesmo autor de Catastrotivity.

Confesso que o título “A Resposta não é uma cabana na floresta” me enredou. Muitas vezes, concluo que a resposta, ao que acontece, só pode ser solidão e uma cabana na floresta… ou, talvez não seja.

Mas, voltando ao Medo e à construção vivencial e/ou criativa…

Deixar o medo gerir a nossa vida é terrível. Como diz aquela frase “devemos ter medo do medo em si”…

… Que, numa breve pesquisa em português só produziu resultados como agorafobia e ansiedade. Porquê? Não sei. Mas, noto uma constante tendência para limitar o que podemos ler, e por conseguinte, conhecer, quando só utilizamos a língua materna.

A mesma pesquisa em inglês, é a frase de Michel Montaigne que nos aparece em relevo:

“The thing of which I have most fear is fear.” — Montaigne

Que foi traduzida do Francês de duas formas distintas, mas em que prevalece o significado.

Muito mais tarde, este conceito foi devidamente apropriado para um discurso político de Franklin D. Roosevelt:

“We have nothing to fear, except fear itself.” — Roosevelt

E, era esta a versão da qual me lembrava e a qual contemplo amiúde.

De lá — Montaigne — para cá — Roosevelt — outros houveram que, analisaram a frase, e trataram o conceito de outras formas, apesar de manterem o seu significado original.

Só devemos ter medo de ter medo. Porque quando temos medo de algo, podemos escolher enfrentá-lo. Mas, quando é o medo que regula a nossa vida, temos medo da vida.

E, não nos sentirmos seguros quando escolhemos algo, empurra-nos a escolher a medo. Ou seja, deixamos que aquilo que não queremos que aconteça, dite o que escolhemos que vá acontecer.

Como se tivéssemos algum poder, ou controlo, sobre os resultados daquilo que escolhemos! Não temos. Não de verdade.

Ocorre-me o quadro Caminhante sobre o mar de névoa de Caspar David Friedrich, em que o caminho por esta vida é insondável, e está obscurecido pelo tempo e pelo que acontece a cada momento (o nevoeiro). O homem não consegue ver o caminho, pode apenas percorrê-lo.

Caminhante sobre o mar de névoa de Caspar David Friedrich
Caminhante sobre o mar de névoa de Caspar David Friedrich

Quando escolhemos a Medo, o que aparenta ser a escolha segura, o menos doloroso, o mais racional, transforma-se de formas inesperadas, e passa a ser o pesadelo do qual quisemos fugir desde o início.

Pois, quando nos retiramos a liberdade de fazer escolhas, não influenciadas pelos nossos verdadeiros desejos e vontades, pela liberdade da escolha em si, e deixamos que o medo se insurja na nossa mente, e nos faça resguardar de tudo, entregamos a certeza de que somos livres ao Medo.

Somos subjugados e escolhemos o próprio sofrimento, do qual tínhamos medo, e que tentámos evitar.

E, o que tem isto a ver com perseguirmos uma prática criativa?

Tudo.

Quando deixamos o medo guiar o barco (ou o carro, como a metáfora de Elizabeth Gilbert, no livro “Big Magic”, coloca tão bem), entregamos o controle ao Medo.

Mas, dizer-lhe que não é ele que guia o barco,… ou o carro, ou a bicicleta, consoante a viatura que queiram imaginar… e torná-lo realidade, é difícil de concretizar.

Por vezes, é preciso partir-mo-nos todos para que tal aconteça. Por vezes, é preciso sofrer, para lá da conta que achámos ser racionalmente possível, para nos libertarmos do seu controle. Por vezes, só abandonando o que queremos, e colocando espaço entre nós e o objecto da nossa decisão, é que podemos vislumbrar o que fizemos quando evitávamos o Medo.

A partir daí, estragando tanto, quanto aquilo que desejámos consertar, acabamos com ideias novas sobre o que nos fez chegar aqui: O que nos aconteceu. Quanta orientação nos faltou. Como a Escolha é assustadora, em especial, quando deixamos de ter a vida delineada para nós, sem termos qualquer voz sobre o assunto.

Quando é suposto termos voz, descobrimos que ela nos foi negada desde o início. E, depois, passámos a negá-la a nós próprios.

Cada criador, escritor, artista (usem o termo que melhor se aplicar a vós), tem a tarefa, dolorosamente acrescida, de descobrir a sua voz. São os nossos Problemas, as nossas Vontades, os nossos Quereres e Frustrações, que nos alimentam a arte, mas primeiro precisamos de ter vontade para chafurdar neles. Primeiro, precisamos descobrir a nossa Voz. Primeiro, precisamos aceitar a nossa grande parte de responsabilidade naquilo que fizemos, após o que nos foi feito.

Termino, relembrando:

“não há arte verdadeira, artistas de verdade, ou um ideal dourado ao qual devemos aspirar. O que há somos nós (indivíduos), várias décadas de frustração e loucura acumuladas e uma forma de arte através da qual podemos colocar tudo isto cá fora (no mundo).” — Catastrotivity Ep.1

Temos Coragem para o colocar no mundo?

É esta a consideração para esta [pausa de domingo]: Leva as tuas perguntas para um caderno e diverte-te… se possível.

Porque quem somos transparece naquilo que criamos.

Desejo-vos uma excelente [pausa de domingo]

Obrigada e Até Breve!

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