Olá a todos. Sejam bem-vindos [à minha Biblioteca].
Hoje, quero escrever-vos um pouco sobre Emily Dickinson, e sobre a conexão com aquilo que lemos/assistimos/pesquisamos. Como relacionamos a informação de diferentes fontes? E, para que serve?
Por vezes (ou, muitas vezes), lemos algo que não compreendemos. Um tema surge na nossa vida e, por algum motivo, não estamos tão receptivos a ele no momento e, isso, leva-nos a apressar o consumo do material. Ou, não estamos numa altura em que certo tema faça sentido na nossa vida, porque estamos a viver uma outra experiência que nada tem a ver com a obra que estamos a consumir.
Assim, a absorção dos significados e as futuras correspondências entre temas ficam comprometidas.
Contudo, por vezes, o tema volta. A obra manifesta-se noutro momento, ou algo se cruza connosco e decidimos investigar melhor… e, acabamos a cair na toca do coelho (preferencialmente, na toca do Coelho de Alice — no País das Maravilhas — que tinha de tudo, incluindo estantes circulares cheias de livros).
Foi isto que me aconteceu com a obra de Emily Dickinson.
Alguns dos seus poemas são demasiado populares para o desconhecimento geral, logo esses não estavam em questão. Conhecia-os e, de alguma forma, apreciava-os.
Mas podemos mesmo apreciar aquilo que desconhecemos?
A obra de Dickinson é composta por cerca de 1800 poemas, os quais são postumamente publicados. Em vida, Dickinson não desejava ver os seus poemas publicados e, com excepção de uma meia dúzia de vezes (a quantidade de poemas publicados varia, de acordo com a fonte consultada) manteve-se na relativa obscuridade.
Ela era uma pessoa que valorizava a sua privacidade (e, nisto, há algumas preferências pessoais que, decerto, impulsionaram as suas escolhas quanto ao casamento, e às escolhas da sua vivência diária). No seu mundo circunscrito, Dickinson suplantou entraves criativos e criou uma obra com a qual é fácil conectarmo-nos.
No ano passado, li “Cartas de Emily Dickinson“ na maravilhosa edição ‘Everyman’s Library Pocket Poets’ (voltei a reparar que, não consigo manter o Goodreads actualizado. Este foi mais um livro que não marquei como lido!). No presente, estou a reler estas cartas… e a notar que, aos 16 anos, Emily escrevia cartas como a poetisa que viria a ser).
Há umas semanas “folheei” o Herbarium de Emily Dickinson, que se encontra fisicamente em Houghton Library, Universidade de Harvard, após a leitura do artigo Emily Dickinson’s Herbarium: A Forgotten Treasure at the Intersection of Science and Poetry no The Marginalian. Isto deu-me um certo impulso inspirador para descobrir a mulher que gostava de cultivar e imortalizar flores.
Mas, interligar material de pesquisa significa recorrer a várias fontes, pelo que, fui em busca de uns vídeos/documentários sobre a vida e obra da autora.
Se subscrevem este blog, e recebem a newsletter semanal — ‘5 minutos sozinha’ — por e-mail, receberam as hiperligações para alguns destes vídeos que assisti (como o da Ruby Granger, Emily Dickinson Museum Official, o anúncio da exposição em Nova York, ou este documentário biográfico pelo Prof. Graeme Yorston).
Entretanto, fui em busca da minha cópia de “Selected Poems” da ‘Dover Thrift Editions’, para poder reler os poemas que me vão surgindo. Neste ponto, já me cruzei com as versões alteradas dos poemas, o que me deixou muito insatisfeita com a questão.
Parece que, nas várias publicações da obra da poetisa, as suas palavras foram sendo alteradas para melhor servir os supostos interesses do leitor. Não gosto disto mas, podemos sempre aceder online a diferentes iterações, incluindo os facsimiles digitalizados (como este do poema ‘Because I could not / stop for Death‘)
Mas, a minha curiosidade foi aguçada com a série criada pela Apple+ ‘Dickinson‘. Mais uma vez, sei que mencionei esta série (mais uma vez, na newsletter semanal ‘5 minutos sozinha’).
Em três temporadas, Alena Smith (escritora, produtora e directora) interpretou a vida e obra de uma jovem Emily, nas suas lutas com a sua imaginação, família, amores e criação de obra poética, numa versão que, talvez não sendo historicamente correcta, é criativamente adequada para trazer Dickinson para um “mundo real”.
Neste formato, e com o charme de uma modernidade entrosada com o histórico, assistimos a cada episódio com a curiosidade de quem imerge no passado, para a seguir emergir no presente, com uma perspectiva bem mais real do que pode ser (e poderia ter sido… ou terá sido?).
Cada episódio é a descoberta de um poema, ou de umas linhas de um poema, que dá origem à trama do episódio, enquanto a jovem Dickinson procura compô-lo, derivando de e na sua experiência diária. E, de súbito, temos 30 episódios, 30 poemas (os mais conhecidos, suponho) e uma vontade imensa de ir descobri-los e contextualizá-los com o que vi e com o que li.
Comecei com o poema ‘Because I could not stop’, título do primeiro episódio, constante na pág. 35 do “Selected Poems” da ‘Dover Thrift Editions’… mas, depois, achei que seria interessante encontrar o facsimile (versão original ‘Because I could not / stop for Death‘). E, numa observação mais atenta, e subsequente delinear de cada letra da minha cópia impressa do facsimile (que ficou pouco visível e precisava de mais destaque) descobri as alterações. Entretive-me a corrigir a minha versão do poema e passei um bom bocado a interpretar cada letra (magnífica) da caligrafia de Emily Dickinson.
Diz que o website Poetry Foundation tem uma versão aproximada do original deste poema, mas foi o melhor que consegui.
E, esta foi a melhor leitura deste poema que eu descobri: ‘Because I Could Not Stop For Death’ by E Dickinson read by Helena Bonham Carter no Soundcloud.
Precisamos ir tão longe quando falamos de interagir com o material?
Acho que, a resposta a esta questão prende-se com aquela frase:
Entretanto, grande parte desta pesquisa foi parar aos meus journals e commonplace books, cheios de imagens a acompanhar. E, sim, os princípios básicos de leitura crítica, de recolha de fontes, e dessa parte toda mais académica, é interessante. Mas, para o apreciador comum, é A Obra que importa. São os processos criativos, a forma como as pessoas criam e sobrevivem às suas realidades, são as diferentes perspectivas sobre os assuntos, as extrapolações e, até, as invenções e conjugações.
Interagir com o material significa ir mais fundo, investigar, descobrir, brincar…
O que farei disto? Não sei. Não importa. Farei o que quiser. Só preciso que esteja disponível para me inspirar no material.
Emily Dickinson? Sou fã.
E estou a ponderar adicionar “The Gorgeous Nothings: Emily Dickinson’s Envelope Poems” à minha biblioteca… assim o orçamento o permita.