Na maioria das noites, ser Mãe significa ler uma história antes de deitar. Significa saber de cor um “Cuquedo”, uma “Branca de Neve e os Sete Anões”, um “Sou Feliz Quando…”ou um “Sinto-me Assustado Quando…”, como tem sido a preferência do meu rebento.
Por estes dias, ser Mãe significa decorar as falas dos bonecos, e entoar as vozes de girafas e bruxas más, para alguém cuja percepção da realidade é, obviamente, de outro planeta que não o nosso. Significa, também, inventar histórias de meninas muito maravilhosas e corajosas… porque, neste mundo, é o que somos e o que temos de ser.
Há uns tempos, ela trouxe da escolinha uma rima que repetimos sempre no fim de cada história:
“Vitória! Vitória! Acabou-se a história. Pozinhos de Perlimpimpim, é o Fim.”
“Não digas pozinhos de perlimpimpim, mãe. É muito assustador…” sussurra ela, todas as vezes.
Não é o Fim que é assustador, são os pozinhos de perlimpimpim. É a Magia que é assustadora… Vá-se lá entender.
Assim somos nós, nos nossos momentos de magia que, tantas vezes, associamos às nossas fraquezas.
Já não tenho dedos para contar as vezes que adio qualquer coisa de mágico: ler, escrever, pintar, colar, CRIAR… em detrimento do que é REAL. Daquilo que é o fim da alma criativa.
Também já não tenho dedos para contar quantas vezes oiço que a Magia da Cultura, do Conhecimento e das Histórias não serve para nada. Nada vale a pena quando a Alma é pequena, não é?!
Quantas vezes nos escusamos de criar alguma coisa porque não é perfeita? Porque não sabemos para que servirá? Porque não vemos o que escrever a seguir? Porque recusamos ser o que somos e preferimos ser o que nos dizem para ser. É mais REAL. É menos MÁGICO. É mais INFELIZ.
Porque preferimos o “FIM” aos “POZINHOS DE PERLIMPIMPIM”?
Porque criar algo ficcional é menos valoroso do que criar algo material?
Porque não aceitamos que, sem Arte, a Vida tinha pouco pelo que viver?
O que encontramos numa história em determinado momento que, não sendo perfeito (notícia de última hora: nada é), nos alivia da realidade?
Voltamos a uma história porque nos identificamos com ela. Porque há qualquer coisa que, num determinado momento, fala connosco como se nos entendesse e àquilo que estamos a sentir.
Seguimos uma história porque ficamos cativos da sua magia não da sua perfeição. Porque, no meio de tantas coisas que aquela história não é, nos deixa as lembranças e a vontade de saber mais. Mesmo que não entenda, por A+B, os motivos pelos quais uma história me cativa e a outra não.
E, se o permitimos quando lemos/vemos as histórias dos outros, porque não fazemos o mesmo nas nossas? Se permitimos que uma história imperfeita nos cative por um período de tempo, porque não nos permitimos escrever algo assim?
Porque não nos autorizamos a escrever uma história imperfeita? Mesmo que não seja o que queremos dizer, ou da forma como queremos dizer, ou a história que queríamos ter capacidade perfeita para contar?
Um “Cuquedo” não é perfeito… desabafo: tenho lutado muito com a expressão “gritaram entre dentes” impossível de vocalizar em condições… Mas, é imperfeitamente certo e mágico.
Um “Virgin River” não é perfeito. Mas, é perfeitamente envolvente.
Um “Star Wars” não é perfeito mas fala-nos daquilo pelo que devemos viver… e, morrer. E, fala-nos do que devemos sempre recusar. E, tem as mensagens perfeitas nestas realidades imperfeitas.
As nossas histórias são as metáforas da nossa existência. São, literalmente, o transporte para outro lugar e a transferência de contextos e significados.
E, as histórias que criamos são, ou têm o potencial para serem, o caminho de alívio da dor desta existência… da nossa e dos outros. Uma história alivia a nossa história. E, um Romance, alivia tanto mais. Assim como um estudo. Uma tese. Um confronto épico…
Porque não nos permitimos o alívio? Porque não nos permitimos Escrever?