Acredito que os Clássicos o são por alguns motivos. Quer gostemos de os ler, ou não, há neles algo que nos mostra com exactidão porque merecem um lugar na história literária.
Tenho procurado ler mais clássicos e, em especial, aqueles que me suscitam curiosidade.
O que quero dizer, ao certo, com isto?
Estou habituada a dar o desconto que, um Clássico de há longo tempo, nos solicita.
Porque os tempos eram outros, porque as realidades eram diferentes, porque os estudos literários progridem com as vivências. Dou como exemplos, “Women in Love” de D.H. Lawrence (dei 4 estrelas), ou “Mrs. Dalloway” de Virgínia Woolf (dei 3 estrelas). Não fiquei deslumbrada, mas reconheço-lhes todo o seu pleno valor de Clássico.
“As árvores sussurravam. E a relva também.” – Faulkner “O Som e a Fúria”
Estou também consciente de que alguns dos clássicos, os melhores, na minha modesta opinião, têm o poder de me arrancar uns UAU’s e deslumbrarem-me com a mestria com que foram construídos. Olho para “O retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde, ou qualquer obra de Jane Austen.
Ler mais e a escolha…
No final de Junho, início de Julho, dei comigo a optar por um compromisso mensal com um clube de leitura. Uma ideia de que nunca gostei porque, primeiro, odeio ler (e não apenas ler) por obrigação. Segundo, porque não tenho gosto por andar para cá e para lá, para atender aos encontros que estas actividades presenciais nos exigem.
“Arrependemo-nos dos hábitos ociosos que adquirimos.” – Faulkner “O Som e a Fúria”
Assim, enquanto procurava o Clube de Leitura que se encaixasse nos meus critérios, aceitando que havia uma forte probabilidade de não encontrar, vi uma referência ao Clube de Leitura «Encontros Literários O Prazer da Escrita» sob a curadoria de Analita Alves dos Santos.
Os motivos da escolha deste Clube…
Primeiro,
tenho observado um pouco do trabalho da Analita e, acredito ser um exemplo de sucesso, para aqueles de nós que procuram viver uma vida no mundo da escrita profissional.
Pelos livros escolhidos, no passado, para este Clube, confio que a escolha é feita segundo critérios de alguém que compreende a necessidade de incluir certas experiências literárias na vida do leitor comum.
Segundo,
“Moby Dick” é a leitura de Agosto.
Pode parecer esquisito mas, ando para ler este livro há alguns anos. É um menino grandito, com 469 páginas nesta edição, pelo que a minha coragem empalidece quando olho para ele.
No entanto, há umas semanas, vi este filme ‘In the Heart of the Sea‘ que me relembrou do meu desejo em ler esta história (sendo que não é a primeira versão que vejo). E, surpresa!!!! “Moby Dick” é a leitura de Agosto no Clube de Leitura.
Terceiro,
e, este motivo é mais em geral do que em particular para a escolha deste Clube específico, tenho a oportunidade de ler livros que, de outra forma, não teria escolhido. Ou que, até poderia ter escolhido, mas não este ano.
Eu sei que, não é a primeira vez que contemplei adquirir “Para onde vão os guarda-chuvas” de Afonso Cruz e que, por motivos que só a mim pertencem (basicamente, porque nunca consegui arranjar uma cópia que tivesse um preço comportável pela minha carteira) nunca o fiz. Será desta vez.
Quarto,
Sinto um prazer genuíno em participar neste tipo de desafios criativos. Sou uma pessoa que, quando não tem um desafio criativo para se dedicar, murcha e aborrece tudo e todos à sua volta.
Mais, não sou alguém que priva na companhia de pessoas com interesses literários. E, se excluirmos os leitores que acompanham o blog e redes sociais, e com quem gosto de trocar comentários oportunos, são poucas as pessoas com quem consigo conversar sobre leituras e livros.
Isto faz com que, a ideia de participar num Clube de Leitura, seja uma experiência comunitária, que vejo com altas expectativas e muita antecipação.
E, finalmente… sobre “O Som e a Fúria” de William Faulkner
Considerada a obra mais significante para o próprio autor, data de 1929, e faz parte do conjunto que atingiu o título de Clássicos. Faulkner nasceu no Mississippi em 1897. Aclamado, recebe o Prémio Nobel da Literatura em 1949, morre em 1962, recebendo o Pulitzer no mesmo ano da sua morte.
Para mim, não posso dizer que tenha devorado este livro. Ou apreciado com a minúcia que ele requer. Consigo ver, com clareza, os traços que o consagraram.
Foi entre as sete e as oito que a sombra dos caixilhos apareceu nos cortinados e eu entrei outra vez no tempo, ao som do despertador. – Faulkner “O Som e a Fúria”
A escrita de Faulkner, a voz de cada personagem, cada uma delas distinta e pessoal, os temas que caracterizam uma realidade social de época e classe… vejo um estilo que penso ter inspirado outros a tentarem as suas façanhas no processo de escrita.
Faulkner faz uso daqueles artifícios que ajudaram a consagrá-lo, e que se manifestam noutros autores. Ocorre-me a escrita sem pontuação, e misturando personagens na mesma frase, de Saramago. Um estilo, se diferente, fazendo uso de artifícios similares.
O campo de batalha apenas revela ao homem a sua própria loucura e desespero, e a vitória é uma ilusão de filósofos e de loucos. – Faulkner “O Som e a Fúria”
A repetição de nomes para personagens diferentes não nos facilita a tarefa de leitura. O que não seria problemático se, Faulkner não fizesse questão de reter mais do que nos mostra, apontando para um leitor que aprecie reler, e que tenha uma capacidade de memória exemplar.
Habituei-me a apreciar sentir-me perdida sobre a quem é que ele se refere agora? Compreendo que, um leitor mais dotado teria maior facilidade em compreender as diferentes vozes, e reter a informação, relacionando-a com facilidade. Eu?! Lutei com colocar as personagens nos seus sítios.
Não é quando descobrimos que nada nos pode ajudar – religião, orgulho, qualquer coisa – é quando percebemos que não precisamos de ajuda. – Faulkner “O Som e a Fúria”
O discurso confuso do ponto de vista da personagem em questão, porque este livro divide-se em quatro partes, contadas sob a experiência pessoal de cada uma de quatro personagens, (nenhuma delas as mulheres da família Compson), serve de artifício para mostrar algumas realidades pessoais e familiares.
É com mestria que ouvimos Ben (filho varão) falar, imerso na sua realidade fragmentada, de alguém que vive num plano mental diferente.
É com interesse analítico que procuramos compreender o desespero forçado de Quentin (filho), acossado pela culpa, vivendo a perda de tudo o que o mantém vivo.
É com irritação crescente que vemos Jason (filho) passar pela vida, subjugado pelas suas obrigações familiares, um produto de ódios e responsabilidades mal distribuídas.
É com surpresa, e desapontamento, que observamos a decadência física de Dilsey (empregada negra) e correlacionamos com o enredo maior da família Compson.
E, o tema que nos deixa a sensação de factos mal explicados, é o incesto. Mais uma vez, em mais um livro, são as mulheres desta família que, na sua predominância sob os diferentes sub-enredos, não aparecem para ajudar ninguém… nem família, nem leitores.
Levamos o símbolo da nossa frustração para a eternidade. – Faulkner “O Som e a Fúria”
Os pecados dos pais, e essas coisas todas, aparecem nos temas americanos como lembretes do mal que as pessoas podem fazer àqueles que é suposto amarem de forma abnegada…
Mas, são todas estas características no texto, aquelas que somos avisados a não tentar reproduzir como escritores, porque vamos fazer um trabalho ridículo e decadente, que transformam esta obra na obra prima que ela é.
Um quarto de hora ainda. E depois já não serei. – Faulkner “O Som e a Fúria”
Como disse antes, apesar de ter tido dificuldade em me relacionar com esta história, recordando ‘Of Mice and Men‘ de John Steinbeck que me arrebatou, reconheço os temas históricos que assombram os homens, e o seu retratar de formas exemplares, e dignas de reconhecimento, através dos tempos.
Vejo mestria em construir histórias em volta do que não é dito. Vejo-a em quanto da miséria humana vem ao de cima num seio familiar instável e desfeito. Vejo-a no retratar do determinismo das situações onde o Homem não exerce qualquer poder de mudança positiva. E, vejo-a, na construção de cada personagem. Vejo mestria e, no entanto, não me parece estar suficientemente intrigada para reler.
As mulheres têm (…) afinidade com o mal, por não acreditarem que mulher alguma é digna de confiança, mas que alguns homens são ingénuos de mais para se protegerem delas. – Faulkner “O Som e a Fúria”
Atribuí 3 estrelas. Não me cativou, mesmo reconhecendo o que faz dela um Clássico favorito para tantos. E, considero que aprendi e consolidei umas coisas sobre a literatura americana.
Quero deixar uma pequena nota à 10ª edição deste livro pela D. Quixote. Algo que me irrita, solenemente, cada vez que releio. Na parte de trás deste livro (segunda capa?) lê-se ” e Dilsey, o criado negro…”
Dilsey, a única mulher que tem direito a um capítulo (e uma voz oficial) neste livro. Dilsey, a empregada negra que representa o envelhecimento e decadência desta família. Dilsey, a única protecção maternal que estes miúdos têm, sendo a ilustração da falta e compensação impossível do papel do progenitor que nos forma nos anos mais importantes da nossa vida. Dilsey, não é o criado negro.
Incomoda-me a desatenção num sítio tão óbvio deste objecto que é o livro.
… a melhor maneira de lidar com as pessoas, sejam elas pretas ou brancas, é tomá-las por aquilo que julgam ser e deixá-las em paz. – Faulkner “O Som e a Fúria”
Final…
E, foi assim a minha primeira experiência para o Clube de Leitura «Encontros Literários O Prazer da Escrita». Gostei desta experiência. Sinto que não tirei notas suficientes. Nem sublinhei tudo o que queria relembrar/retirar desta obra.
Pretendo ouvir as opiniões dos outros, no encontro agendado para debate deste livro, e acrescentar aquilo que eles viram ao experienciarem este texto.
Entretanto, venha o segundo livro do Clube de Leitura “Moby Dick” de Herman Melville.
Obrigada e Até Breve!
***
Referências:
- Livro “O Som e a Fúria” William Faulkner
- Livro “Women in Love” de D.H. Lawrence
- Livro “Mrs. Dalloway” de Virgínia Woolf
- Livro “O retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde
- Artigo sobre a obra de Jane Austen
- O Clube de Leitura «Encontros Literários O Prazer da Escrita»
- Filme ‘In the Heart of the Sea‘
- Livro “Moby Dick” de Herman Melville
- Livro “Para onde vão os guarda-chuvas” de Afonso Cruz
- Livro ‘Of Mice and Men‘ de John Steinbeck
- Artigo Julho, pós-operação e actividades criativo-literárias
Escapei ao livro deste mês e, pelos comentários que li no grupo, não me arrependo… :/
Quanto ao “Para onde vão os guarda-chuvas” há uma edição de bolso, bastante acessível (embora a letra seja mais miudinha). Já li no verão passado, tornou-se num dos meus livros e o Afonso Cruz num dos meus escritores. Aguardo com expectativa o encontro desse livro, apesar de já ter tido a oportunidade de estar com o Afonso Cruz, graças à Analita.
Boas leituras e ótimas escritas! 😉
Olá, Margarida. Sim, o livro deste mês é difícil, mas não me arrependo de o ter lido… apesar de desconfiar que nunca o irei reler. Quanto ao “Para onde vão os guarda-chuvas”, vi a versão de bolso e estou a pensar adquirir essa. Como devo encomendar online, espero que a letra não seja muito miudinha, porque mesmo de óculos, noto que me custa concentrar quando não vejo bem as letras 😀
E, “Moby Dick”? vai ler?
Boas leituras também e até breve 🙂