O que é a Voz do Escritor?
É a forma como tu escreves, o teu estilo pessoal. É tudo aquilo que só pode ser escrito por ti, com a tua forma de ver o mundo, a tua experiência pessoal, a manifestação física da tua individualidade.
Como encontras a tua Voz de Escritor?
Escrevemos. A única forma de encontrarmos a nossa Voz de Escritor é manifestarmo-la através da actividade da escrita em si.
Mas, para encontrarmos a nossa voz, o nosso estilo de escrita tão pessoal como a nossa personalidade, podemos fazer algumas coisinhas que lhe dêem uma ajuda…
Que 9 actos?
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Escreve Páginas Matinais
Não inventei isto. Óbvio. Adoptei a prática ensinada no livro “O Caminho do Artista” (cuja opinião podem ler aqui…) e, não é que funciona?! Funciona de formas insuspeitas. Escreve 3 páginas, todos os dias, à mão, logo pela manhã, sobre tudo o que te passa pela cabeça, sabendo que ninguém vai ler o que escreveste.
- Escreve 3 páginas: porque este é o comprimento certo para te ajudar a desbloquear o que povoa o teu subconsciente (também chamado de Fluxo de Consciência).
- Escreve todos os dias: porque esta é uma prática que se auto-sustém e, ao fim duns tempos, os resultados aparecem.
- Escreve à mão: porque implica que, aquilo que colocas no documento, não tem de ser perfeito. Nem visualmente, ou contextualmente, perfeito. A perfeição é inimiga da execução.
- Escreve de manhã: o mais perto da tua hora de acordar possível, porque não queres pensar muito sobre o assunto, sobre o que vais escrever, ou o que sentes quando te sentas para escrever as tuas três páginas. De manhã, e com sono, flui de forma livre e não antecipada.
- Escreve sobre o que te ocorre: sobre a cor do céu. Porque não abres a janela? O estúpido que isto é. Podias estar a dormir! E, mais tarde, passas para temas como o que queres da vida, como podes dar vida a um projecto, ou construir esta personagem, como resolves o que te pesa…
- Escreve sabendo que ninguém vai ler: os críticos não são chamados para as nossas 3 páginas matinais. Ficam todos a dormir, porque ainda é cedo! E, não mostramos isto a ninguém. Nem a nós próprios durante, pelo menos, os primeiros 6 meses.
Escreves 3 páginas que são só tuas, privadas, pessoais. 3 páginas que servem apenas para o que servem e nada mais. Com o tempo irás perceber porquê.
“Não há uma forma errada de escrever as páginas matinais. Não é suposto estas divagações matinais serem arte. Ou, sequer, Escrita. (…) Apenas, escreve três páginas… e escreve mais três páginas, no dia seguinte.” ‘The Artist’s Way‘ de Julia Cameron (Trad. Sara Farinha)
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Usa Blocos de Notas Adicionais
- Mantém todo o tipo de blocos de notas que precises: Não limites aquilo que escreves à forma que o contém. Se te sentes tentado a apontar uma ideia qualquer, uma citação, um vislumbre de algo, que acreditas ter potencial, aponta-o de imediato.
- Não cedas aos argumentos do costume: “não estou no sítio certo”, “não trouxe o bloco de notas que quero”, “não é a hora certa para isto” ou, o mais comum, “Não me vou esquecer desta ideia!”… Garanto que vais esquecer-te do que estavas a pensar. É normal.
- Diversifica os blocos/ferramentas onde escreves (podem ler mais sobre isto aqui…): Tens um minuto a dispensar para apontar uma ideia. E, vais querer apontar a ideia. A memória falha até quando é a ideia mais importante do mundo.
“Uma forma diferente é cooperar, por completo, com humildade e alegria, com a Inspiração.” ‘Big Magic‘ de Elizabeth Gilbert (Trad. Sara Farinha)
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Escreve sem Adereços
- Fala com Voz Alheia: Há alturas em que a tua escrita sofre a influência daqueles cujas obras leste. Apaixonamo-nos por um estilo particular de alguém, por um formato de escrita que te fez sentir coisas, e passamos a escrever um pouco mais dessa forma, e menos como nós próprios. Não faz mal. Não evites usar o adereço proveniente dessa transferência. Há que aceitar que, durante uns tempos, vamos falar com “voz alheia”.
- Aceita e evolui: Continuamos a escrever e, isto acaba por se desvanecer, ou encaixar nos sítios certos. O teu estilo, a tua voz de escritor, aperfeiçoa-se com a prática da escrita e, acabamos por devolver o adereço à sua prateleira.
“Em qualquer caso, descobri que, quando acabamos de aperfeiçoar um determinado estilo de escrita, já o ultrapassámos.” ‘Porque escrevo e outros ensaios’ de George Orwell
E, não faz mal. É assim que deve ser. Aperfeiçoamos e ultrapassamos.
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Escreve como Tu e (só) tu.
- Tu apareces no que escreves: Tudo o que somos, aquilo em que pensamos, as coisas em que acreditamos, tudo transparece no que fazemos, dizemos e escrevemos. Não há como fugir a isto. Quem tu és e, se te permitires o tempo e a prática suficientes, irá manifestar-se naquilo que escreves.
- Não há copianço neste teste: És o que vês, o que ouves, o que cheiras, o que notas, o que vives, o que sofres, o que lês, o que pensas, o que viajas, ao que te expões… Não há como copiar isto. Há que compreender que a verdade da tua vida, de quem és, e do que viveste, vai aparecer na forma como escreves. Essa é a tua Voz de Escritor. Escrevas Ficção ou Não Ficção, Poesia ou Letras de Músicas, este é um show feito de uma só pessoa e da sua visão particular do mundo.
“A ficção deve cingir-se aos factos e, quão mais verdadeiros os factos são, melhor será a ficção.” ‘A Room of One’s Own’ de Virginia Woolf (Trad. Sara Farinha)
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Responde: Porque escreves tu?
- Responde: Agarra no teu diário (ou journal, só porque soa melhor) e escreve a tua resposta a esta pergunta.
- Porque: Muitos outros já fizeram este exercício. Tenho aqui, ao meu lado, uma pilha de livros, de 10 autores diferentes, e as suas respostas. Aquilo com que todos parecem concordar é que queremos mostrar a nossa perspectiva sobre a Vida. Enfrentá-la, como ela é, e ser capaz de avançar. Alguns vão mais longe e atribuem valor aos motivos que os movem.
“Põem no papel tudo o que te vai no coração. Nunca tenhas vergonha do assunto, nem da paixão que sentes pelo assunto. As tuas paixões <<proibidas>> podem revelar-se, quem sabe, o combustível que alimenta a tua escrita.” ‘A Fé de Um Escritor” Joyce Carol Oates
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Escreve com Coragem
- Coragem: Escreve sobre o que não podes escrever. Ou, escreve como se os teus pais já não pudessem ler. Esta é a maior barreira que, como escritores, temos de saber ultrapassar.
- Enfrentar: Descobrir a Voz de Escritor é enfrentar as coisas que não queremos ver expostas a público. É contar a nossa versão do que nos aconteceu. É impedir que outrem controle o que podemos escrever.
- Exposição: Isto não significa publicar tudo o que for pessoal, ou atacar outros com a tua escrita. Isto significa ser verdadeiro com a tua experiência pessoal, pois tudo nos define como pessoas e como escritores.
“Se trazes para o mundo aquilo que está dentro de ti, aquilo que trazes salvar-te-á. Se não trazes para o mundo aquilo que está dentro de ti, aquilo que trouxeres destruir-te-á.” ‘Evangelho de Tomás’ citado em ‘Bird by Bird’ de Anne Lamott (Trad. Sara Farinha)
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Escreve num horário pré-estabelecido e sem interrupções
- Estabelece um horário diário: Isto é, talvez, o mais importante de tudo nesta actividade de escrita: manter um horário. Por vezes, levo duas horas até conseguir superar um qualquer bloqueio metafísico na minha escrita. Levo duas horas até sentir que estou a escrever alguma coisa que não seja lixo. Claro que, nem todos levam duas horas a chegar a este ponto. E, apesar de racionalizar que isto é uma maratona, e não um sprint pelos últimos metros, continua a levar muito tempo.
- Evita distrações e interrupções: Escrever não se compadece com atenção dividida. Não funciona se não estamos concentrados no que estamos a fazer. Comigo, se for interrompida constantemente, quebra-se qualquer magia. Resolvi isto, acordando antes de todos, e usando ter uma janela de tempo que me permita chegar ao ponto em que, aquilo que escrevo soe como a minha própria voz. E, por hábito, levo duas horas a chegar a este ponto. Irra, que sou lenta!
“Às vezes, temos de continuar quando não nos apetece e, às vezes, estamos a fazer um bom trabalho quando nos parece que tudo o que fazemos é acartar trampa enquanto se está sentado.” ‘On Writing: A Memoir of the Craft” de ‘Stephen King
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Escreve sozinho mas revê acompanhado
- Crítica Construtiva: A leitura, e sugestões, de pessoas que nos querem bem e que nos querem ajudar, de facto, são um factor determinante para descobrirmos a nossa Voz de Escritor. Dar o nosso trabalho a ler e, receber feedback construtivo, sobre o bom e sobre aquilo que precisa de melhoria, é essencial à nossa escrita.
- Aperfeiçoar a nossa Voz: Construímos o nosso estilo quando entendemos aquilo que precisamos integrar nos nossos textos. Como fomos nós que o escrevemos, não conseguimos ver as partes que causam confusão no leitor, não temos percepção daquilo que não funciona. O apoio de um leitor atento e bem-intencionado é uma ajuda valiosa. Aprendi muito com alguns deles e apurei as coisas que gosto de ver, e de omitir, num texto.
“Sem técnica, a arte permanece no domínio do privado. Sem arte, a técnica não passa de um acto mecânico.” “A Fé de Um Escritor” de Joyce Carol Oates
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Respeita-te
- A tua Voz é única: Não escrever, não dizeres a tua verdade, auto-criticares o teu trabalho sem compaixão, identificares quem és pelo produto/resultado daquilo que escreves, é desrespeitoso e injusto para contigo.
- Persegue o que gostas de escrever com fervor: Respeita o que sentes, quem és, o trabalho que estás a fazer. Seja ele da dimensão que for. Seja ele no género que for. Respeita-te e à tua Escrita. Aceita que nem todos trabalhamos da mesma forma, ou nos mesmos temas, e que isso é bom.
- Descobre a recompensa que é escrever sem qualquer presunção de retorno: É uma prática que nos pede respeito e que nos traz mais do que poderíamos sonhar.
Descobrimos a nossa Voz quando descobrimos que, a actividade em si, é a recompensa que a Escrita nos traz.
“A boa literatura liberta. Que mais não seja porque oferece inúmeras possibilidades de escolha.” ‘Quem disser o contrário é porque tem razão’ de Mário de Carvalho.
Espero que tenhas apreciado estas 9 acções para cultivares a tua Voz de Escritor. Revendo:
- Escreve Páginas Matinais
- Usa Blocos de Notas Adicionais
- Escreve sem Adereços
- Escreve como Tu e (só) tu.
- Responde: Porque escreves tu?
- Escreve com Coragem
- Escreve num horário pré-estabelecido e sem interrupções
- Escreve sozinho mas revê acompanhado
- Respeita-te
Parabéns Sara Farinha. Aprecio muito a sua escrita generosa.
Gostei deste nove Actos
Parabéns e muito obrigada pela partilha. Continue. Muito sucesso para o futuro.