Opinião: Wintering por Katherine May

wintering

Olá a todos! Sejam bem-vindos a este blog.

 este artigo contém: opinião literária; citações; experiências e significado pessoal; uma recomendação literária.

“A certeza que, do outro lado de um Inverno rigoroso, há uma Primavera à nossa espera.  A esperança em saber que, não faz mal parar. Que lidar com o que se nos acomete é uma experiência pessoal e individual. Que o mundo pode ir lixar-se, ali ao canto…” e continuo, numa leitura que entrou para a lista das 5⭐️

Wintering por Katherine May

Wintering

Géneros Literários: Não-ficção; Memórias; Auto-ajuda; Saúde Mental; Psicologia; Natureza; Ensaios; Saúde; Biografia;

Sinopse: Um livro revelador e íntimo, explorador das formas que podemos cuidar, reparar e levantarmo-nos quando a vida nos derruba.

Por vezes, cais por entre as frestas. Circunstâncias inesperadas, como uma doença súbita, a morte de um ente querido, um rompimento, ou um despedimento podem fazer a vida descarrilhar. Estes períodos de deslocação podem ser solitários e inesperados. Para May, o seu marido adoeceu, o seu filho desistiu da escola, a sua saúde obrigaram-na a abandonar uma ocupação exigente. “Wintering” explora não só, como May subsistiu durante estes tempos dolorosos, mas também como abraçou as oportunidades únicas que oferecia.

Uma comovente narrativa pessoal, com lições retiradas da literatura, mitologia, e do mundo natural, através das quais May oferece instruções no poder transformador do repouso e do retiro. A iluminação emerge de muitas fontes: celebrações de solstício e a hibernação do arganaz, C.S.Lewis e Sylvia Plath, nadando em águas glaciais e navegando no mar ártico.

Por fim, “Wintering” convida-nos a mudar como nos relacionamos com os nossos tempos de retiro. May vive a aceitação da tristeza e encontra nutrição no retiro profundo, na alegria na beleza silenciosa do inverno, e encoraja o entendimento da vida como cíclica e não-linear. Numa mística secular, May forma uma filosofia orientadora para transformar as dificuldades que surgem antes do início de uma nova estação.

tromso

Comecei por escrever uma opinião curta sobre esta obra, que vos mostrei no artigo Leituras de Outono 🍁 Aconchego, Café ou Chá, e Inspiração Outonal 🍁📚🐿️ e que aqui transponho:

Invernar. Também nós, os humanos, o fazemos. Podemos não hibernar no sentido de dormir o Inverno todo, mas há alturas na nossa existência que podem ser associadas a um período de hibernação. Aqueles momentos em que não sabemos por onde, quando, ou porquê, continuar.

Neste livro encontrei o Inverno como metáfora para depressão e ansiedade. A partilhada experiência pessoal de momentos dolorosos em que somos derrubados pela vida. A exploração de formas de reparar e sarar desses momentos persistentes. Aceitação dos ciclos de que a vida se compõe, e compreender que também nós como indivíduos temos ciclos. Devemos-lhes respeito, assim como o devemos a nós próprios.

Agora, desejo completar esta opinião, com uns pozinhos de experiência pessoal, e justificar as 5⭐️ atribuídas.

Recordo-me da primeira vez em que tive uns pensamentos menos próprios para a minha saúde mental. Tinha, não mais de treze anos, e lembro-me da intrusão indesejada… assim, muito à semelhança dos pensamentos no filme da Barbie (2023) que a fazem, literalmente, descer do salto alto.

Se não viram o filme, o pensamento era sobre a existência da morte, mais especificamente, da sua própria morte, num confronto com uma vivência menos do que perfeita (também conhecida como vida real).

I learned to winter young. (…)At seventeen, I was hit with a bout of depression so hard that it immobilised me for months. I was convinced that I would not survive it. I was convinced that I didn’t want to. But somewhere there, in the depts, I found a seed of a will to live, and its tenacity surprised me. – p.11 ‘Wintering’

Fastforward na minha história e, vejo-me numa sala de aulas, a meio de uma aula, a chorar copiosamente, sem qualquer motivo exterior aparente. É que nem estava a pensar em nada de especial. Tinha 17 anos. Desta vez, levei uns quatro meses até sentir que já havia dormido o suficiente, porque passava as manhãs na escola, e as tardes e noites a dormir que nem uma pedra… ou a chorar. A outra opção era chorar.

Primeiro trabalho oficial e, diz que há mais marinheiros do que marés, neste oceano de pessoas com doenças mentais não reconhecidas (os depressivos funcionais). O segundo trabalho não foi melhor. Foi pior. Uma empresa maior, por isso, uma piscina muito maior de gente nos seus Invernos pessoais.

I make gingerbread men (…) I imagine each one of them as a small act of defiance against the life I’ve been living. It’s a kind of sympathetic magic to handle something so pointless with such reverence: I am tending to the dead, gently laying to rest a set of values for which I no longer have any use. – p.22 ‘Wintering’

De lá para cá, passei por vários sítios onde, as pessoas são forçadas a conviver uns com os outros, em espaços apertados. Constatei que, a saúde mental é uma utopia em certos contextos e fases da vida. Andamos todos a tentar fazer o melhor que sabemos. Infelizmente, sabemos pouco.

I notice that a few are carrying their mobile phones in empty plastic glasses to keep them dry, as if they can’t be separated from them for even this long. I’m not the only one who has forgotten how to rest. – p.37 ‘Wintering’

Entretanto, sofri o trauma do parto e da maternidade, e de todas as doenças que vieram, incluindo uma de origem genética que desconhecia ter. E, de repente, o conceito de morte súbita e inesperada alterou-se. Assim como a perfeita noção da insignificância de cada um de nós neste grande mundo. Mais um período para Invernar a gosto.

Here on the deck of the Andrea in the outer reaches of the Atlantic, approaching a personal winter, I’m certain that the cold has healing powers that I don’t yet come close to understanding. After all, you apply ice to a joint after an awkward fall. Why not do the same to a life? – p.43 ‘Wintering’

A vida é um carrossel de emoções fortes e, por isso, uma constante de períodos cíclicos de emoções. Como May aponta, a vida não é linear. É feita de momentos bons e de momentos menos bons. De fases que se sucedem. E, não adianta fecharmo-nos na nossa bolha, ou acreditarmos que algo pode manter-se como está para sempre, porque nada disso é possível.

Life meanders like a path through the woods. We have seasons when we flourish and seasons when leaves fall from us, revealing our bare bones. Given time, they grow again. – p.68 ‘Wintering’

À semelhança das estações do ano, e das suas conotações óbvias com várias fases da nossa idade, agora temos uma conotação com as fases cíclicas que se sucedem na nossa vida.

Não estaremos sempre felizes. Ou tristes. Existirão alturas em que algo bom acontece, em que nos sentimos a viver uma fase espectacular, em que tudo parece alinhar-se perante os nossos melhores desejos. Para, a seguir, vivermos algo, ou uma sucessão de algos, que nos atira para os céus escuros, tempestuosos, deficientes em facilitação de serotonina e dopamina, e nos faz recuar do mundo até uma toca de hibernação qualquer ou, no caso, para a nossa cama.

Winter is a season that invites me to rest well and feel restored, when I am allowed to retreat and be quietly separate. But in recent weeks, my happy hibernation has been disrupted. I’ve come to call it the “terrible threes”: the dark insomniac hours when my mind declares itself, fully fired, in the middle of the night. (…) There, in the truest night, I lie in the dark and catastrophise. – p.77 ‘Wintering’

robin

Este livro é formado por um conjunto de ensaios que tocam estes temas e mais. Em cada mês, encontramos correlações e tentativas de ultrapassar estes períodos de Inverno nas nossas vidas.

A cada conjunto de ensaios, encontramos a realização de algumas verdades essenciais que nos podem ajudar a compreender melhor o que nos aflige, quando esperar que nos aflija, e como testar para que nos alivie quando nos atinge, de facto.

Lucy’s martyrdom is not his point today; instead, he wants us to think about the simple gestures by which we can bring light into the world. “Every one of us is a lit candle,” he says. – p.96 ‘Wintering’

E, não apenas a parte de aceitar que estes períodos menos brilhantes das nossas vidas são cíclicos, mas também que podem ser períodos que são, brilhantemente, necessários para sobrevivermos ao que nos vai acontecendo.

It expresses a craving that so many of us will recognise. Have we really got so far into the realm of electric light and central heating that the rhythm of the year is irrelevant to us (…) If our current society lacks a way to offer us the meanings we seek, then it’s entirely reasonable to reimagine the old ways of doing it or to create new ones. – p112 ‘Wintering’

A certeza que, do outro lado de um Inverno rigoroso, há uma Primavera à nossa espera.  A esperança em saber que, não faz mal parar. Que lidar com o que se nos acomete é uma experiência pessoal e individual. Que o mundo pode ir lixar-se, ali ao canto, porque ninguém está livre de passar pelo Inverno vivencial. Que encontrar formas de lidar com a ansiedade da vida é uma tarefa pessoal e intransmissível. Que nem tudo tem cura, e não faz mal, concentrar-nos em lidar com é, muitas vezes, a melhor estratégia.

cope

Aqui, neste livro, encontramos uma série de referências que nos ajudam a identificar certos aspectos do nosso próprio Inverno pessoal. Terras distantes, animais resilientes, escritores intuitivos, vivências diferentes daquelas que conhecemos, e muito mais, que nos ajude a compreender a racionalização desta teoria.

Happiness is the greatest shill we’ll ever learn. It is not a part of ourselves that should be hived off into a dark corner, the shameful territory of the wilfully naive. Happiness is our potential, the product of a mind that’s allowed to think as it needs to, that has enough of what it requires, that is free of the terrible weight of bullying and humiliation. – p.119 ‘Wintering’

Gostei, também, do tom destes ensaios. May não é excessivamente poética nas suas comparações. Mantém o tom lúdico, mas terra-a-terra, que certos temas delicados exigem.

But life is bitting at me yet again, and there’s nowhere else to deflect the savagery. – p. 151 ‘Wintering’

Também não entramos no Reino da Conselho-lândia. May não nos diz o que fazer. Diz-nos o que viveu, e como outros sobreviveram aos seus Infernos pessoais.

I had lost my voice; that was all. It was just something that had happened, alongside all the other things that obliterated my sense of being a relevant presence in the world. – p.218 ‘Wintering’

Wintering não tem tradução em Português e não espero que venha a ter. No entanto, recomendo a leitura.

Num país em que tanto se recusa a ajuda da Psicologia e Psiquiatria, e em que tantos de nós vivem sofrimentos com os quais não sabem lidar, sensibilizar para estas questões é importante. Sensibilizar para normalizar a procura de ajuda é importante. Sensibilizar para que a saúde seja vista no seu todo é importante. Porque o corpo é um boneco de trapos quando a cabeça não funciona.

We’re urged to stop sweating the small stuff, yet we’re chronically anxious. I often wonder if these are just normal feelings that become monstrous when they’re denied. A great deal of life will always suck. There will be moments when we’re riding high and moments when we can’t bear to get out of bed. Both are normal. Both in fact require a little perspective. – p.237 ‘Wintering’

Este livro é um abraço, um conforto no Inverno físico que se aproxima, e um amparo no simbólico. Aconselho a leitura.

Obrigada e Até Breve!

Já subscreves este blog?

É só colocar o email, carregar no botão, e receber todos os artigos na tua Inbox. Recebes também a Newsletter semanal, exclusiva para os Subscritores do blog, com todos os recursos úteis para a tua Vida Criativa.

Subscreve e Sê um Membro Oficial desta Família de Construtores Criativos.

***

Referências:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.